Quando concebemos um projeto de pesquisa, um dos maiores desafios para pô-lo em prática é operacionalizar nossas hipóteses. Trocando em miúdos, isso quer dizer tornar nossas idéias palpáveis. Mas como funciona então a operacionalização?
Logo depois que definimos o tema de um projeto, precisamos criar uma pergunta original e hipóteses relacionadas a ela, que nada mais são do que possíveis respostas para essa pergunta. Mas, geralmente, tanto a pergunta quanto as hipóteses tratam de conceitos abstratos, relacionados às teorias vigentes no campo de estudo. Sendo assim, para testar uma hipótese é necessário primeiro pensar em coisas concretas que se espera observar no campo, no laboratório, na literatura ou no computador, caso a hipótese seja mesmo uma boa resposta para a pergunta feita. É um raciocínio dedutivo, do tipo “se isso for verdade, então espero observar aquilo”. Essas expectativas são chamadas de previsões. Enquanto uma hipótese envolve conceitos teóricos, uma previsão trata de conceitos concretos, mensuráveis.
Assim, a operacionalização é o processo de derivar previsões a partir de hipóteses; ou seja, representar uma variável teórica através de uma variável operacional (conhecida em inglês como surrogate ou proxy). Operacionalizar é fundamental para realizar uma pesquisa. Exemplos práticos podem tornar mais fácil entender esse processo.
Suponha que você esteja interessado em estudar o estresse em animais, por exemplo. O estresse é um fenômeno, uma variável teórica definida através de conceitos abstratos, como bem-estar, homeostasia etc. Dessa forma, não é possível pegar um animal e simplesmente medir seu estresse diretamente. O que um cientista faz é escolher uma variável operacional que represente bem o conceito de estresse. Assim, ele pode medir algo concretamente no animal estudado e fazer inferências sobre o seu nível de estresse. É comum, no caso de mamíferos, medir-se o nível de cortisol no sangue, um hormônio associado ao estresse.
Até conceitos aparentemente triviais, como tamanho, precisam ser operacionalizados. O tamanho de um organismo é abstrato. Mas, por exemplo, seu comprimento é algo concreto, assim como sua massa. Uma má escolha da variável operacional pode ser desastrosa. No caso de morcegos, por exemplo, costuma-se representar o tamanho como o comprimento do antebraço. Porém, medir o comprimento do antebraço seria inviável no caso de uma baleia viva. Mesmo focando-se em apenas um determinado tipo de organismo, a escolha da variável que representa seu tamanho depende também de como foi formulada a pergunta de trabalho: às vezes pode ser mais adequado medir a massa de um morcego do que o comprimento do seu antebraço.

O conceito de operacionalização também é fundamental, por exemplo, quando queremos aplicar ao nosso trabalho alguma abordagem que está na moda. Por exemplo, a teoria de redes como ferramenta no estudo dos mutualismos. Muita gente hoje em dia quer fazer análises de redes nos seus trabalhos. Contudo, todos devem se perguntar: que conceito ecológico eu quero representar através de qual métrica de redes? Uma análise, por mais sofisticada que seja, não faz sentido sem um contexto biológico claro e interessante.
Uma operacionalização mal-feita pode arruinar uma pesquisa promissora por gerar medidas que não representam direito o fenômeno de interesse. Em outros casos, um projeto pode ser muito interessante, mas tornar-se inviável por ser impossível operacionalizar os conceitos de interesse (seja por falta de verbas ou da tecnologia necessária).
Concluindo, sintonize bem as variáveis teóricas e operacionais que vai usar em seu estudo. Isso é crucial para ele ser bem-sucedido.
Sugestões de leitura:
- Operationalization
- ¿Son hipótesis las hipótesis estadísticas?
- Uso correcto, parcial e incorrecto de los términos “hipótesis” y “predicciones” en ecología
- Predictions & hypotheses
- Scientific method
* Publicado originalmente em 2010 e atualizado constantemente.
Gostei muito do artigo ! Obrigado por partilhar.
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De nada! Fico feliz por ajudar.
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Eu vi, Marco! Li, me esclareci e já fiz um comentário gigantesco de agradecimento! MUITO obrigada! Foi muito atencioso de sua parte!
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Adorei este post, Marco! Obrigada por compartilhá-lo conosco. Estamos tão acostumados a agir de forma mecânica, às vezes, que esquecemos que estes pormenores podem fazer toda a diferença na construção de um bom projeto! Eu sempre tive dificuldades em distinguir bem as hipósteses dos resultados esperados, o que dificultava bastante na hora de ter que escrevê-las…inclusive conheço casos de bons pesquisadores que ainda têm esta mesma dificuldade. Mas confesso que nunca tinha pensado nas previsões, inclusive porque nunca as vejo explicitadas em projetos; apenas as hipósteses e os resultados esperados. As previsões, eu suponho, que não sejam os resultados esperados…e assim, levanto mais uma dúvida que talvez seja respondida em algum outro post seu! A diferença entre hipósteses e previsões agora eu já sei…mas fico me perguntando agora se existe diferença entre previsões e resultados esperados. Vou continuar lendo para descobrir ou buscar informações em outros lugares. Mais uma vez, muito obrigada por suscitar estas curiosidades em nossas mentes, para que busquemos cada vai mais conhecimento para respondê-las!
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Ana, obrigado! Boa pergunta, acho que vou mesmo fazer um post sobre isso. Bom, a diferença entre hipótese (possível resposta à pergunta de trabalho) e previsão (conseqüência lógica e palpável da hipótese, caso ela seja verdadeira) você já entendeu. Resultados esperados são outra coisa. Por um lado, quando você trabalha com múltiplas hipóteses alternativas (no sentido filosófico e não estatístico) para uma mesma pergunta, nos resultados esperados você pode dizer em qual dessas hipóteses aposta e por que. De qualquer forma, nos resultados esperados você precisa falar também sobre as conseqüências maiores para a ciência, tecnologia ou políticas públicas de rejeitar ou não a sua hipótese de trabalho. Você precisa falar sobre o que vai avançar através do seu projeto.
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Acho que as coisas agora começaram a clarear para mim depois dessa explicação, Marco! Muito obrigada mais uma vez! E eu ficaria mesmo muito feliz com os post sugerido por você que abordasse mais a fundo as diferenças entre estes dois pontos (Previsões e resultados esperados)! =)
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Já atendi o seu pedido. Veja no blog. 🙂
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Ótimo artigo. Mas fiquei com uma dúvida no final, as variáveis teóricas são utilizadas no contexto de formulação da hipótese e as operacional nas previsões? Ou as previsões podem também apresentar variáveis teóricas?
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Vinícius, indo bem “by the book”, sim. Sua hipótese biológica deve ser construída em cima de variáveis teóricas, ou seja, os fenômenos biológicos do seu interesse. A partir dele, você deriva previsões, que são coisas que você espera observar, caso a sua hipótese seja mesmo uma boa explicação; elas devem se basear em variáveis operacionais, que são “termômetros” das teóricas.
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