O que é a justificativa de um projeto?

Inspirado por uma colega que me pediu dicas esta semana, resolvi escrever sobre uma das partes mais confusas nos famigerados projetos de pesquisa: a justificativa.

Marco, que raios é essa tal justificativa de um projeto? Por que pedem para colocá-la em uma seção à parte? Tem problema ela ficar meio redundante com a introdução? No que ela difere dos resultados esperados? Qual deve ser a “pegada” ao escrevê-la?

Estas são as perguntas mais frequentes que me fazem sobre o tema.

No geral, muitos consideram a justificativa do projeto como apenas uma chatice burocrática, outros ficam com medo dela e acabam travando e alguns poucos sabem realmente o que é para fazer.

Não estou aqui para ditar regras. Dou dicas práticas baseadas na minha experiência pessoal como autor de projetos financiados por agências de fomento à ciência, universidades, empresas, ONGs e OIs do Brasil e do exterior.

“Então, como eu ‘tava dizendo, sangue bom
Isso não é sermão, ouve aí tenho o dom
Eu sei como é que é, é f**a parceiro”

Racionais MCs

Também tirei essas dicas da minha experiência como assessor desses mesmos patrocinadores, que frequentemente me encarregam de avaliar ad hoc os projetos de colegas.

Bom, vamos por partes.

O sentido da coisa

First things first. Comece lendo este outro post sobre como elaborar projetos. Depois, leia mais um post sobre o que se espera de projetos em diferentes níveis.

Leu ambos? Ok, prossigamos então.

A justificativa costuma ser um texto curto (cerca de 100 a 300 palavras), geralmente de um único parágrafo, mas esse tamanho varia muito entre potenciais financiadores. O ponto é que a justificava serve para apresentar um argumento muito convincente para um patrocinador específico. Ao lerem a sua justificativa, o assessor ad hoc e o gerente responsável pela verba devem ficar com uma vontade incontrolável de te dar dinheiro.

Você deve argumentar de forma lógica, clara e direta porque vale a pena financiar a sua ideia e não outra. O que destaca o seu projeto na multidão? Evite clichês e argumentos vagos, como: “esse projeto deve receber verba, porque tem grande relevância para a conservação”. Seja criativo e convincente.

E, sim, essa seção é muito importante e deve ser escrita com cuidado. Em um mundo lotado de cientistas, competindo com unhas e dentes por cargos, verbas e bolsas, ela pode ser a “cereja no bolo”. Especialmente se o seu projeto for parar nas mãos de alguém sem paciência para lê-lo na íntegra (isso não é difícil de acontecer).

Muitos patrocinadores pedem para colocar a justificativa em uma seção própria, pois com base nela muitos assessores decidem se vão mesmo prestar atenção ao resto do projeto ou não.

Os detalhes variam

Algumas das coisas que vou comentar aqui, a começar pelo próprio tamanho da justificativa (as tais 100 palavras), variam de patrocinador para patrocinador. Assim, como sempre, preste muita atenção às normas de cada um.

Siga o formato exigido à risca, pois a atenção aos detalhes e a capacidade de respeitar instruções são alguns dos termômetros sutis usados para separar bons e maus cientistas. Ou seja, os que ganham verbas e os que ficam reclamando da vida, do sistema e de tudo mais.

Se te falarem para colocar a justificativa embutida na introdução, coloque-a. Se disserem que o lugar dela é em uma seção própria, faça assim.

“Vocês, sacaaaram?!”

Cyrus 1979

Mire como um sniper

A pior coisa é submeter exatamente um mesmo projeto, sem mudança alguma, a vários financiadores diferentes.

O ponto são as tais mudanças. Na prática, acabamos frequentemente submetendo um mesmo projeto a diferentes fontes financiadoras, até mesmo porque a maioria delas no Brasil paga pouco. Só que, a cada nova submissão, você deve pensar em para quem está pedindo a grana e, com base nisso, fazer ajustes.

Ajuste formato e foco, especialmente na justificativa e nos resultados esperados. Faça um exercício mental e tente adivinhar o que aquele patrocinador específico quer ler. Obviamente, sem mentir ou prometer mais do que é capaz de entregar.

Fora isso, apesar de ser necessário pedir verbas para mais de uma fonte, não atire em um milhão delas ao mesmo tempo. A meta é “one shot, one kill“.

Por exemplo, uma ONG ou OI de conservação da biodiversidade provavelmente não tem interesse em questões puramente acadêmicas, focando mais em produtos com aplicação direta à resolução de problemas práticos. Por outro lado, uma agência de fomento governamental vai querer ver um forte embasamento teórico no projeto. Já uma empresa privada deve estar procurando projetos que a ajudem a desenvolver produtos dentro do seu nicho ou a melhorar sua imagem ambiental.

Faça o dever de casa.

Evite redundância demais com outras seções

A justificativa acaba tendo, sim, certa sobreposição com a introdução e os resultados esperados.

Na introdução, você deve contextualizar a sua ideia, explicar a abordagem escolhida, dizer porque escolheu aquele recorte específico dentro do universo de interesse e, por fim, apresentar as suas perguntas e expectativas. Essa parte, o foco, é que acaba sendo mencionada também na justificativa.

Nos resultados esperados, você deve dizer aonde espera chegar concretamente com o seu projeto, em termos de em qual hipótese aposta, quais avanços acadêmicos e práticos o projeto pode trazer, qual problema ele vai resolver etc. Parte dessa informação também precisa entrar na justificativa de alguma forma.

Mas tente reduzir essa redundância o máximo possível.

A grande diferença

“Mas, Marco, se a justificativa acaba tendo algumas informações sobrepostas com outras seções, o que a diferencia delas?”

Simples: é nela que você deve amarrar as pontas. Trocando em miúdos, na justificativa, com base no foco e nos resultados esperados do projeto, você deve dizer de forma muito convincente porque aquele patrocinador deve te dar grana.

Vamos usar um exemplo para explicar melhor.

Um exemplo de justificativa

Aqui vou pensar em um projeto hipotético. Como não sou especialista em abelhas, por favor, apidólogos, corrijam-me e perdoem-me se eu disser alguma besteira. Estou com o tema na cabeça e acho-o muito importante, por isso quis usá-lo como exemplo.

Imagine que você deseje submeter um projeto sobre polinização por abelhas a uma agência de fomento à ciência governamental. É claro que esse é um tema gigante, então você precisa definir um foco.

Você poderia estar interessado, por exemplo, em responder a seguinte pergunta: que consequências o desaparecimento das abelhas europeias (fenômeno conhecido como CCD) pode ter para a agricultura brasileira?

Mesmo já tendo um foco bem mais focado (rs), a pergunta ainda continua muito ampla. Quando a pergunta não pode ser respondida na íntegra por um único projeto, o melhor é olhá-la por diferentes ângulos e atacar um pedaço por vez.

A melhor estratégia em um caso como esse seria focar ainda mais em uma ou poucas hipóteses bem interessantes, dentro do escopo da pergunta. Poder-se-ia testar as seguintes hipóteses relacionadas: (i) a produção de laranjas no Brasil sofrerá uma queda considerável devido ao CCD; (ii) a polinização das lavouras de laranja no Brasil poderia ser substituída por abelhas nativas.

Ok, agora é hora de justificar esse projeto-exemplo. Como se trata de uma pesquisa com clara interface com a economia e a sociedade, fica mais fácil. A justificativa poderia seguir por um caminho mais ou menos assim:

“No mundo todo, as abelhas europeias estão desaparecendo, correndo o risco de entrar em extinção em um futuro próximo: trata-se do fenômeno conhecido como “colony collapse disorder” (CCD). Como elas são as principais polarizadoras de várias lavouras, o CCD pode ter consequências para a segurança econômica e alimentar de populações humanas. Assim, pretendemos investigar uma dessas possíveis consequências usando como modelo uma lavoura muito importante no Brasil: as laranjas. O nosso projeto criará subsídios para, por exemplo, estimar o tamanho do prejuízo que os agricultores terão e planejar a substituição das abelhas europeias por abelhas nativas na polinização dessas lavouras.

Test drive

Já que a ciência é uma cultura humana, pedir a opinião dos outros é sempre importante, desde a concepção à publicação de um projeto. Assim, teste também a sua justificativa.

Após escrevê-la, passe-a para um colega ler, sem incluir o resto do projeto. A justificativa precisa ser convincente por si só, sem a ajuda do texto completo. Se ela vender bem o seu peixe sozinha, quando ela estiver dentro do projeto será mais eficiente ainda.

Pergunte ao seu seu colega se, só com base na justificativa, ele ficaria interessado em patrocinar sua pesquisa ou, pelo menos, ler o projeto inteiro. Caso, antes de você perguntar, ele já esteja abrindo a própria carteira na sua frente, então considere isso como um bom sinal.

Dica final

No fundo, a seção da justificativa é como um pitch. Esse é o pulo do gato! Então pense fora da caixinha. Se você pegar a manha de escrever justificativas convincentes, pode pedir financiamento através até mesmo de crowdfunding. Já existe essa possibilidade para projetos científicos!

Sugestões de leitura

  1. They’re just not that into you: the no-excuses truth to understanding proposal reviews (guest post)
  2. How to review a grant proposal
  3. Presenting Your Proposal: 5 Ways To Convince Investors To Back Your Idea
  4. Effective grant proposals, Part 1: Novelty and significance
  5. Effective grant proposals, Part 2: Feasibility

(Fonte da imagem destacada)

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16 respostas para “O que é a justificativa de um projeto?”

  1. Oi Marco, gostei bastante da forma como você explica o assunto. Agora tenho uma pergunta a te fazer kkk Para você qual a parte mais importante de um projeto?

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  2. Eai Marco, primeira vez aqui. Fiquei de cara com a qualidade da escrita, me senti em um bar batendo um papo sobre como elaborar a justificativo em meu projeto final de conclusão de curso. Me ajudou e abriu minha cabeça. Um abraço, pretendo voltar aqui.

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  3. Boa noite Marco! Parabéns pelos seus textos, objetivos e práticos! Achei seu blog pesquisando no google sobre provas didáticas de concursos públicos. Vou passar por essa experiência em julho, prestando uma prova para o Instituto Federal Catarinense na área de Agroecologia. A aula será de 20 a 25 minutos e ainda estou em dúvida se isso é bom ou ruim… Eles não disponibilizarão data show, mas permitem o uso, desde que o candidato se responsabilize por conseguir o aparelho e montar. Não vou usar, pois a aula é curtíssima e morro de medo de na hora pifar tudo… Vou optar pelo estilo, como você disse, “old school”, com flip chart. O seu texto tirou minha dúvida sobre como me posicionar perante a banca e como conduzir a aula. Seria um sonho passar, uma das vagas é na cidade onde meus sogros moram. Espero poder aprender a sobreviver na ciência também! Um abraço: Vivieny Nogueira Visbiski

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