Como usar bem o seu tempo

Inspirado por uma conversa que tive com alunos em um excelente evento, decidi deixar para mais tarde um post sobre o gerenciamento do tempo. Não, brincadeira, vou escrever sobre isso agora mesmo.

Na Academia, muitas vezes você tem a sensação de que o tempo foge de você, como o dinheiro foge da sua conta a partir do segundo dia útil do mês? Pois é, você não é o único.

Na carreira de cientista a gente sempre tem muita coisa para fazer. Sempre. O tempo todo. Sem intervalo. Um cientista profissional que trabalha como professor universitário (a maioria no Brasil) precisa fazer o tempo render, senão não consegue realizar as inúmeras atividades que lhe cabem. Logo, um aspira da ciência tem que aprender a gerenciar bem o tempo desde a iniciação científica.

Por falar em aspira, quem ainda está na iniciação científica, em geral, só precisa se preocupar com as disciplinas da graduação e o estágio em um laboratório. Eu sei que, nessa fase da carreira, isso pode parecer muito. Só que não é. Conforme você avança pelas diferentes fases da carreira de cientista, vai adicionado novos tipos de atividade. Isso pode chegar até o nível do absurdo, se você não se planejar bem. Além disso, para manter a sua saúde ou não virar uma pessoa estranha, muito estranha, você precisa se exercitar, se divertir, comer direito, cuidar da sua saúde e ter uma vida social.

Por isso, aviso logo os aspiras: as coisas não melhoram com o tempo, a não ser que você aprenda a administrar bem a sua agenda. Aparentemente, você tem que viver dias de 36 h. Aparentemente. Esse é o ponto: sim, esse monte de atividades cabe em um dia de 24 h. É só priorizar as coisas e planejar a sua rotina direito.

Então como você pode aprender a usar bem o seu tempo, se essa não for uma característica inata da sua personalidade? Tenho três dicas fundamentais: disciplina, disciplina e disciplina. Sim, cientistas indisciplinados cabem melhor em desenhos animados do que na vida real. Organize-se!

Além de tomar consciência da importância da disciplina, você pode usar um dos diversos métodos de gerenciamento do tempo que estão por aí. Há métodos excelentes, como a Pomodoro Technique ou o Getting Things Done. Há também dezenas de alternativas, cada uma com seus prós e contras, explicados detalhadamente em livros e sites. Pergunte ao Prof. Google ou dê uma olhada em uma boa livraria da sua cidade. Cada método funciona melhor para cada tipo de personalidade. Logo, recomendo testar mais de um e ver qual te faz trabalhar de forma mais eficiente.

Por sorte, tenho um senso inato de tempo, que foi reforçado com uma excelente educação dada pelos meu pai e pela minha mentora. Logo, apenas precisei ir aperfeiçoando meu built-in timer aos poucos.

Pessoalmente, não funciono bem com refeições prontas, prefiro cozinhar por conta própria. Logo, vou apresentar aqui cinco ingredientes fundamentais, independentes de receitas fechadas.

1. Tenha disciplina.

Independente de usar um dos vários métodos de gerenciamento do tempo existentes ou criar o seu próprio método pessoal, tenha disciplina. Não adianta nada dizer que você se preocupa muito com a sua produtividade, se você vive fazendo tudo diferente do que planeja.

Priorize, planeje, cumpra. Isso não é impossível e pode ser treinado obsessivamente até virar um hábito. Basta você assumir um compromisso firme consigo mesmo. Na ciência, uma das piores coisas para um aspira é aquela história de “deixa a vida me levar…”. Camarão que dorme a onda leva!

2. Não procrastine.

Como vovó já dizia, “não deixe para amanhã o que pode fazer hoje”. Sabedoria antiga que continua valendo nos dias de hoje.

Se você tiver preparado um plano de estudo ou trabalho, cumpra cada etapa na ordem determinada. Mesmo que tenha chegado a hora de encarar uma tarefa chata ou difícil, enganar a si mesmo e cuidar de uma tarefa mais light no tempo errado não vai te ajudar em nada. Nessa grande categoria chamada procrastinação, entra também o “fingir que está trabalhando”, uma verdadeira praga nas universidades brasileiras. Conheço muita gente, tanto alunos quanto professores, que passa 10+ h por dia na universidade e se gaba disso, mas só trabalha de verdade umas 3 h. No resto do tempo, fica pelos cafezinhos da vida, fofocando no zap-zap ou assistindo vídeos de gatinho do facebook.

Você pode até passar apenas 5 h por dia na universidade ou nem ir todo dia ao laboratório, se preferir trabalhar em casa, mas faça suas horas renderem. Planeje, foque, concentre-se! E nunca, em hipótese alguma, deixe as coisas para a última hora. Esse papo de “eu funciono melhor sob pressão” é uma grande mentira que pessoas preguiçosas ou desorganizadas contam para si mesmas para justificar seu caos profissional.

Aliás, se você vive deixando para depois aquela análise de dados cabeluda essencial para a sua tese, mas tem tempo para sair para a balada duas vezes por semana, repense seriamente as suas escolhas profissionais. A ciência definitivamente não é um trabalho “das nove às cinco”.

Neste ponto, vamos fazer uma pausa e assistir um video:

3. Foque na sua meta principal.

Uma das melhores formas de se perder e acabar deixando de fazer o que precisa é não ter foco. Se você sabe aonde quer chegar profissionalmente, escolha e priorize as suas atividades usando essa meta como norte. Tudo o que te colocar mais perto da meta é prioridade. Tudo o que te afastar dela é secundário e pode esperar.

Isso não vale, é claro, no caso das outras obrigações além da tese. Todos temos que fazer coisas chatas ou que não trazem ganho próprio regularmente, se quisermos viver em sociedade. A vida adulta não é feita só de auto-satisfação.

4. Crie um bom ambiente de trabalho.

Trabalhar em um ambiente calmo, organizado e agradável, que favoreça a concentração, é fundamental. Métodos como o 5S são excelentes para criar esse tipo de ambiente.

Santuários assim quase nunca podem ser encontrados nas universidades brasileiras, onde impera o caos na maioria dos laboratórios. Se você tiver o raro privilégio de ter um espaço fixo de trabalho em um laboratório bem gerenciado, cuide dele com carinho e organize-o de forma a facilitar as suas tarefas diárias.

Contudo, se o seu laboratório parecer uma feira livre,  negocie com o seu orientador a possibilidade de trabalhar um ou mais dias em casa, onde você poderá se concentrar melhor. Se a sua casa também for um caos e você não tiver para onde correr (run to the hills!), procure um terceiro espaço ou então tente criar uma bolha de tranquilidade ao seu redor, onde estiver.

Você pode fazer isso, por exemplo, usando fones de ouvido in-ear ou over-ear, que isolam quase todo barulho exterior (tem uns que custam menos de 50 reais). Se tiver grana sobrando, procure fones de ouvido com função ativa de cancelamento de ruídos externos.

O que não adianta é ficar reclamando da vida, sem tomar uma atitude. Se os outros não ajudam, tome as rédeas da sua vida.

5. Crie uma boa rotina de trabalho.

Sabe aquele papo de que ciência é pura criatividade, então você não pode ter uma agenda fixa e deve trabalhar apenas quando bater uma inspiração? Tolice, coisa de cientista maluco de desenho animado.

Como o famoso Thomas Edison disse: “ciência é 10% inspiração e 90% transpiração”. E essa transpiração toda não leva a lugar algum, se não for bem focada. Tudo bem, rotina pode ser um negócio chato para a maioria das pessoas. Contudo, ter uma rotina é fundamental para um cientista, ainda mais um aspira.

Tente reservar dias específicos da semana, e períodos específicos desses dias, para atividades especificas. Assim, você sempre saberá que, por exemplo, segunda-feira é dia de ler novos papers acumulados, terça-feira é dia de se dedicar a aprender inglês, quarta-feira é dia de se reunir com os colegas e o orientador no laboratório, quinta-feira é dia fazer análise de dados e sexta-feira é dia de escrever uma parte da tese. Saberá também que segunda, quarta e sexta, das 14:03 às 17:08, é hora de praticar o seu esporte favorito. Isso é só um exemplo, pois cada um divide o tempo à sua maneira: há aspiras noturnos e diurnos, semanais e “fim-de-semanais”, etc.

Ter uma rotina permitirá que você mantenha um bom controle sobre o que precisava fazer, o que fez de fato e o que procrastinou em cada semana. Acredite: o seu cérebro pode ser domado e se acostumar a fazer tarefas específicas em momentos específicos. É questão de treino. E, como sempre, disciplina.

Como vencer o travamento

Sabe quando você fica meditando em frente ao computador por horas e horas, sem conseguir escrever um parágrafo sequer da tese? Quem passa por isso com muita frequência e por muito tempo acaba ficando cada vez menos produtivo. Pode até entrar em uma espiral descendente, ficar traumatizado e largar o mestrado ou doutorado.

Para espantar o “Exú Tranca-Tese”, eu uso uma das técnicas do Getting Things Done: começar sempre pelas tarefas menores e dividir as tarefas maiores em tarefas menores. Sério, a sensação de dever cumprido retroalimenta a sua vontade de trabalhar. Nada empaca mais um aspira, do que sentir que não está avançando. Então, se ao longo de um dia, você perceber que, por exemplo, cumpriu duas tarefas menores e começou a atacar a primeira parte de uma tarefa maior, terá uma sensação de progresso e se sentirá ainda mais motivado para trabalhar no dia seguinte. Esse método de parcelar as tarefas maiores funciona maravilhosamente para ir vencendo passo a passo uma tese de doutorado, que é uma tarefa difícil, trabalhosa e longa.

Vou dar um exemplo prático. Imagine que você tem que escrever o capítulo 1 da sua tese, na forma de um artigo técnico a ser publicado em uma revista científica, dentro do prazo de dois meses. Você não vai escrever tudo em um dia, óbvio, a menos que seja o Chuck Norris.

Logo, pode considerar que esse capítulo, uma tarefa grande, é composto de partes menores. Ou seja: título, resumo, palavras-chave, introdução, métodos, resultados, discussão, agradecimentos, bibliografia, figuras, tabelas, legendas e suplementos. E a parte mais importante desse artigo permeia todas essas seções: a moral da história. Tudo gira em torno dela. Transmiti-la à comunidade científica é a razão de ser de um artigo.

No meu laboratório, sugiro sempre aos meus alunos que ataquem uma seção de cada vez e escrevam cada artigo na ordem inversa em que as seções geralmente são lidas. Ou seja, sugiro que comecem sempre pelo primeiro parágrafo da discussão, no qual você deve sintetizar a tal moral da história, ou seja, a mensagem central do trabalho (take-home message). Tendo claro na sua mente o que você quer contar para o leitor, parta para as outras seções, usando a moral da história como o norte do texto.

Por exemplo, inclua apenas os resultados que têm diretamente a ver com a moral da história, ajudando a corroborá-la ou derrubá-la. Corte todas as frases, figuras e tabelas que fugirem do escopo dessa moral da história. Escreva os métodos pensando em explicar ao leitor como fez para testar a sua hipótese de trabalho e, assim, chegar à moral da história. Escreva a introdução focando em explicar ao leitor o contexto de onde você tirou a pergunta que acabou culminando na moral da história. E por aí vai. Trata-se do método de escrever ao contrário, proposto pelo Dr. Bill Magnusson do INPA.

Você verá que, a cada seção do artigo que conseguir escrever, terá mais vontade de escrever o resto e o processo todo fluirá muito melhor. Por outro lado, se você pensar no artigo como uma tarefa só, a ser cumprida de uma vez, provavelmente vai elevar às nuvens os seus níveis de ansiedade.

Dica final

Uma atitude caótica fica divertida em cientistas de filmes de ficção, mas na vida real um bom cientista deve ser extremamente disciplinado e gerenciar o seu tempo like a boss.

Uma coisa que também pode ajudar é negociar com o seu orientador um plano de orientação. Nesse tipo de contrato informal, são acertadas as condições e expectativas de ambas as partes, a fim de deixar preto-no-branco a relação orientador-aluno. Inclusive em termos das metas concretas a serem atingidas em curto, médio e longo prazo.

Sugestões de leitura:

Assista uma excelente vídeo com dicas sobre gerenciamento do tempo:

(Fonte da imagem destacada

32 respostas para “Como usar bem o seu tempo”

  1. Oi Prof. Marco, excelente texto! Os vídeos também são sensacionais!
    Eu utilizo algumas técnicas mais simples, porém eficazes: anoto em um caderninho tudo que preciso fazer naquele dia. À medida que vou executando, risco. Às vezes são pequenas coisas, como escrever algumas linhas do paper, ou organizar os dados. Porém isso tem me ajudado demais! Comprei um fone também, da JBL – ou seja, caro, porém bom – para poder trabalhar no Laboratório. Coloco alguns mantras, e isso também tem enriquecido minha concentração! Vou adotar as outras dicas que você postou aqui! Obrigada!

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    1. Oi Paloma, bom te ver por aqui! 🙂 Sim, não importa quais técnicas você usa, importa apenas que elas funcionem para ti. Cada técnica funciona melhor para um tipo de personalidade. E fico feliz por ter te ajudado com este texto!

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  2. Prof. Marco Mello, obrigado por esse artigo.
    Realmente, deveria haver uma matéria obrigatória em todas as faculdades que falasse sobre isso.

    Tenho usado a Técnica de Pomodoro há uns sete meses e ela tem ajudado muito na minha produtividade e a manter minha cabeça no lugar. Os intervalos a cada ‘pomodoro’ são muito úteis para colocar para fora as distrações que vão se esgueirando para dentro da sua concentração.

    Quanto à disciplina, isso é algo que devo a meus pais. Eles me treinaram desde cedo e isso faz uma diferença enorme em qualquer atividade.

    Achei engraçada a parte sobre ficar mais de 10h na Universidade mas trabalhar apenas 3h. Já trabalhei com uma pessoa que ficava no laboratório apenas para pressionar os orientados e ia dormir todos os dias às 4h da manhã porque estava “trabalhando” quando, na verdade, estava trocando emails. Por mais que fossem emails de trabalho, estou certo de que a atitude era mais para aparecer que para realmente produzir.

    Ainda nos meus anos de escola técnica, eu ouvia muitos colegas dizerem que “funcionam melhor sobre pressão”. Sempre tentei tirar isso da cabeça deles, mas não adianta. Acho que isso é uma técnica para evitar que você faça um trabalho bom o suficiente para impressionar os professores. Assim, fazendo tudo na correria, na última hora, o melhor que alguém se limita a fazer é algo regular.

    Já quanto à tomar as rédeas da vida, é fácil identificar à nossa volta aqueles que sempre têm uma desculpa para tudo. Será que eles realmente pensam que estão nos enganando?

    Também escrevi uma pequena série sobre o gerenciamento do tempo. É, realmente, um tema essencial não somente na academia, mas em qualquer papel que assumamos na vida adulta. Se me permite, compartilho os links a seguir:
    https://lucaspalhao.wordpress.com/2015/02/09/como-gerenciar-o-seu-tempo-parte-1/
    https://lucaspalhao.wordpress.com/2015/03/14/como-gerenciar-o-seu-tempo-parte-2/
    https://lucaspalhao.wordpress.com/2015/06/27/como-gerenciar-seu-tempo-parte-3/

    Grande abraço,
    Palhão.

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  3. Muito bom Prof. Marco Mello!

    Dicas como essa e outras do seu blog só fazem bem para o aperfeiçoamento da nossa profissão de biólogo. Obrigado por ter reservado um “tempinho” da sua vida para manter o blog sempre atualizado.

    Parabéns,

    Abraços

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    1. De nada! Fico muito feliz em poder ajudar vocês. Minha intenção principal com este blog é falar sobre coisas que todo mundo acha que os alunos devem aprender por osmose, como o gerenciamento do tempo, por exemplo. Assim, espero ajudar na formação de vocês, mesmo que só um pouco.

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