Se todo mundo jogasse uma pedra para cada legenda de gráfico que mais atrapalha do que ajuda, nenhuma casa teria teto. Mas por que é tão difícil escrevê-las? Vamos conversar um pouco sobre para que servem legendas e algumas formas de escrevê-las.
[clique] … ” – Já faz quinze minutos que estamos nessa figura e eu ainda não consegui entender o que essa nuvem de pontos quer dizer. Será que… O que você tá fazendo com essa folha de ponta cabeça?
– Tô tentando ver se tem algum padrão illuminati que explique algo. A legenda só fala que é uma relação entre X e Y, mas eu não tô achando que tipo de relação é. … ” [clique]. – Áudio gravado durante uma reunião de laboratório. Local e identidades não-revelados para manter a sanidade dos envolvidos. Meados de 2014.
Quando foi a última vez em que você conseguiu ler tudo o que se sabe sobre uma determinada área do conhecimento, nem que seja a sua? Por mais estranho que pareça, “nunca” é uma resposta aceitável.
Algumas pessoas traçam estratégias para revisões bibliográficas, lendo um clássico da área e depois indo para a literatura mais atual que cita o clássico. O fato é que o volume crescente de informação publicada sobre qualquer tema tornou a revisão de um assunto extremamente onerosa.
Há até mesmo técnicas estatísticas para tentar reduzir o número de informações e concentrá-las em um local só, avaliando quais ideias são suportadas ou não por estudos empíricos. Por isso, ganhar a atenção do leitor passou a ser uma preocupação crescente na vida dos cientistas.
“Como faço para que o meu artigo seja lido e citado?” – A pergunta de um milhão de dólares
Entender os hábitos de leitura de quem está procurando um artigo é um bom começo. Pense no seu caso. Quando você precisa buscar informação sobre um determinado tema (e não um artigo específico), você abre o Google Scholar e faz o que? Digita um termo de busca. Maravilha! A busca resultou em apenas 100.000 artigos (…). Diante disso, como você separa a porção dos resultados que pode conter a informação de que você precisa da outra que obviamente não conterá informação relevante?
O algoritmo de triagem interno de um potencial leitor geralmente começa a trabalhar pelo título. Se o título está ruim ou confuso, o artigo vai para a pilha de descarte. Depois, segue uma rápida olhada no resumo. Se o leitor pensar algo como: “hmmm, parece que esse artigo tem o que preciso“, você garantiu que ele pelo menos abrirá o seu paper.
Agora, como garantir que ele será mesmo fisgado? Pense no próximo passo. Ao abrir um paper, qual é a primeira coisa que você faz? Geralmente envolve algo relacionado com rolar as páginas até encontrar as figuras e legendas. Se as figuras e legendas estiverem ruins ou confusas, aí você precisará de um título e de um resumo muito bons para atiçar o leitor. Você realmente quer depender disso? Como você está lendo até aqui, acredito que não.
Figuras e legendas são como uma janela para o artigo. Quanto melhores elas forem, mais fácil será olhar pela janela e ver o que está acontecendo lá dentro do trabalho. Se estiverem ruins, a janela dificultará a visão e o leitor precisará ter mais trabalho (e paciência) para dar uma espiadinha.
É por isso que o seu trabalho como escritor é tornar a vida do leitor mais fácil! Quanto mais força o leitor tiver que fazer para entender a legenda, pior foi seu trabalho. E vale ressaltar que você deve conhecer bem o seu público, claro.
Vamos fazer um exercício.
Imagine que você estava em busca de uma informação qualquer. Durante a busca você selecionou alguns artigos que podem ter a resposta que você está procurando. O PDF abre e é isso que você encontra como figura:
Qual das legendas abaixo você gostaria que estivesse embaixo dessa figura? Por favor, vote antes de continuar o texto, pois os dados serão úteis para futuros posts.
(Gráfico aqui – by Danilo G. Muniz).
Agora que você votou, gostaria de dizer que nenhuma das opções está errada. Todas as legendas que eu coloquei acima descrevem o que a figura contém e passam alguma informação. Logo, não estão erradas. Contudo, cada uma delas desempenha uma função completamente diferente da outra, pois dão ênfase a informações diferentes.
Como vocês podem perceber, o início de cada legenda é diferente. E ele é diferente, porque cada legenda tem seu foco. Uma das legendas descreve uma relação entre dois eixos, outra fala da espécie e a última conta uma história. Todas essas informações estão contidas nas primeiras palavras.
Portanto, se você pensar bem, a primeira informação apresentada em qualquer frase é uma posição de poder. O leitor precisa ficar com esse pedaço da frase na cabeça até conseguir entender por completo a ideia que está sendo transmitida. Isso muitas vezes significa carregar esse pedaço até o final do parágrafo. Logo, não podemos colocar qualquer informação no início da frase. Devemos colocar o que queremos que fique na cabeça do leitor.
Na primeira legenda, a primeira informação é sobre o que são os eixos. O que fica na cabeça do leitor então? A descrição do que são os eixos. Ao começar por essa informação, a legenda tenta transmitir informação extra sobre o que são os eixos X e Y, mas não adiciona muito ao entendimento da figura. Ainda fica a cargo do leitor olhar e pensar no padrão que a figura quer mostrar.
Na segunda legenda, a primeira informação é a espécie modelo e onde o estudo foi feito. A informação que ficará com o leitor, portanto, é a espécie e o local do estudo. É isso que você quer enfatizar? Perceba que, diferentemente da primeira legenda, ela apresenta ao leitor informações que não estão na figura. Porém, ela tampouco informa o motivo de a figura estar ali, nem o padrão dos resultados que você deseja ressaltar.
Ao contrário das outras duas legendas, a terceira informa sobre a relação que o gráfico quer mostrar: “a probabilidade de Y ocorrer aumenta quando X aumenta”. O leitor, portanto, ficará com essa informação na cabeça até o final. O mais interessante desse tipo de legenda é que, se alguém perguntar “para que serve essa figura?”, o leitor conseguirá responder prontamente.
Note, então, que essa legenda funciona como a câmera de um diretor de cinema. Ela enfatiza o que você quer que o leitor veja – e nada mais. A figura poderia ter dezenas de bolinhas, barrinhas, e todas as -inhas possíveis, o leitor ainda fixaria o olhar na relação positiva. Essa legenda adiciona uma dimensão a figura que nenhuma das outras três consegue: a legenda conta a história da figura para o leitor. Se o seu trabalho como escritor é facilitar a vida do leitor, pode ter certeza que ele vai agradecê-lo por esse tipo de legenda.
Alguns de vocês podem estar pensando: “muito bonito, mas não posso escrever assim. Na minha área o costume é outro!”. Deixe-me então confessar uma coisa: na minha área as legendas também não são feitas assim. Infelizmente, são poucos os artigos que facilitam a vida do leitor.
Para aumentar a estranheza, sempre que fiz o uso dessas legendas recebi feedback positivo dos leitores (e de alguns revisores). Recebi críticas apenas uma vez de um revisor. Porém, o editor não deu muita bola para as críticas quando argumentei sobre porque preferiria deixar a legenda do jeito que estava. No geral, a experiência tem sido tão positiva com esse tipo de legenda que resolvi compartilhar com você. Quem sabe não começamos um movimento de facilitar a vida do leitor, hein?
Caso você resolva usar (ou já use) esse tipo de legenda, por favor mande seu feedback nos comentários da página. Seria interessante saber como o pessoal de diferentes áreas reage a uma forma mais narrativa de escrever legendas. Além de ser um bom registro para futuros leitores do blog.
Leituras adicionais:
Kroodsma, D. E. (2000). A quick fix for figure legends and table headings. The Auk, 1081-1083. (link)
Ótimas dicas, vou tentar aplicá-las no meu próximo manuscrito! Na verdade, eu já estava meio que atento a isso, estou lendo o The Scientist’s Guide to Writing (Stephen Heard) e ele aborda algo bem parecido.
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Obrigado Renan! Me conta tua experiência depois; é muito bom saber como o povo responde a essas críticas.
Esse livro do Stephen Heard é muito bom. Muito das coisas que escrevi aqui no blog e em outros tiveram a inspiração no livro dele.
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Algo que eu noto com frequência é que as normas das revistas também ajudam a incentivar ou não o uso de determinadas ferramentas, como por exemplo a legenda. Em aquicultura o uso de legenda em figuras é muito raro e não me recordo de nenhuma revista que apresente normas para seu uso. As normas são apenas para os títulos. Acredito que se as revistas tivessem normas claras de como editar a legenda de sua figura (como a plosone tem), isso incentivaria os “jovens gafanhotos” 😉 a pensar/lembrar/cogitar ousar mais nas legendas de suas figuras!
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Concordo Vanessa. Se o incentivo vier de cima, quem sabe até os silverbacks considerem mudar. Muitas das revistas da minha área apenas dizem que tem que ter legenda, mas não informam o que. Então a situação tende a ser estável. Em uma revista (Behavioral Ecology ou Ethology, não lembro de cabeça), porém, as normas mencionavam que os primeiros ~100 caracteres fossem um “cabeçalho” que contava o que tinha na figura, pois esses caracteres iriam ser impressos em negrito, chamando ainda mais atenção. Vou até procurar para ver se tem diferença no padrão. Obrigado pelo comentário!
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