Quem nunca desperdiçou um dia de trabalho respondendo e-mail? Bora conversar mais uma vez sobre gerenciamento pessoal.
Sabe quando você chega no laboratório cedo, senta ao computador para trabalhar, abre aquele arquivo de um manuscrito ou os slides de uma aula, mas a tarefa simplesmente não rende? Você não consegue concluí-la… E, quando vê, já deu a hora do almoço. Mais um pouco e você já precisa buscar seu filho na escola…
Tenho que te contar uma coisa. Às vezes, o seu dia de trabalho murcha simplesmente por falta de foco, devido a interrupções. Isso é mais comum do que se pensa. Gerenciar bem o tempo é não apenas uma nobre arte, mas também uma necessidade vital para cientistas.
Bom, uma grande parte desse problema tem a ver com pessoas que batem à sua porta sem marcar hora, quando bem entendem, quebrando o seu fluxo de trabalho. Esse é um péssimo costume em universidades brasileiras. Mas outra parte, essa possível de controlar, tem a ver com maus hábitos dos quais você nem se dá conta.
Pense nos seus hábitos relacionados ao e-mail e outros tipos de mensagem. Essas ferramentas tecnológicas podem ser uma benção ou uma maldição, dependendo de como você as usa.
Antes de prosseguir na leitura, responda para si mesmo as seguintes perguntas:
- Eu checo mensagens várias vezes ao dia?
- Eu respondo toda e qualquer mensagem que recebo?
- Eu deixo notificações de novas mensagens ativadas no meu smartphone e na área de trabalho do meu computador?
Se você respondeu sim a qualquer uma dessas perguntas, foi mal, mas está no grupo de risco dos viciados em atenção virtual. Agora, se você tiver dado duas ou mais respostas positivas, considere seriamente fazer um detox ou rehab (dica: cursos de campo são ótimos para isso! rs).
A internet, as redes sociais, o e-mail e as mensagens instantâneas (por exemplo, via WhatsApp) se tornaram onipresentes em nossas vidas. Algumas pessoas chegam a agir como se elas fossem funções fisiológicas. Smartphones, tablets e notebooks se tornaram praticamente cyber-órgãos.
O pior é que muitos de nós, cientistas, rimos de adolescentes que não desgrudam os olhos do celular nem mesmo em um boteco, mas nos comportamos da mesma maneira. Conheço vários colegas, muitos mesmo, que checam e-mail a cada 5 min sem se darem conta. Sim, aquela olhadela rápida, para ver de canto de olho uma mensagenzinha que acaba de chegar, também conta.

Esse péssimo hábito de estar online o tempo todo, buscando constantemente validação social no mundo virtual, faz a nossa produtividade despencar. Ele também é uma das principais causas do declínio acentuado na capacidade de atenção média das pessoas, que tem sido observado desde os anos 90. Evidências sugerem que esse problema também está relacionado à epidemia de depressão e ansiedade observada na sociedade.
Entenda uma coisa. Para escrever um artigo realmente bom em tempo hábil, sem que as suas descobertas virem notícias velhas, você precisa de apetite, foco e disciplina, como comentei em outro texto. O mesmo vale para aulas, palestras, pôsteres, teses e outras atividades acadêmicas com metas concretas de qualidade e prazo.
Bom, o primeiro passo em qualquer rehab é reconhecer o problema. O segundo passo é identificar os gatilhos comportamentais que ativam os seus maus hábitos. E o terceiro passo é traçar um plano para anular esses gatilhos e se desintoxicar. Mas nada disso adianta, se você não tiver disciplina.
Aqui vai uma série de dicas para te ajudar a se libertar do vício. Elas podem te ajudar tanto a aumentar a sua produtividade no laboratório, quanto a manter a sua saúde mental.
1. Não use apps de mensagens instantâneas para trabalho.
Sério, bróder. Sério pacas!
No meio acadêmico a urgência é uma ilusão, fruto da falta de disciplina. Você pode manter uma carreira saudável e produtiva se comunicando remotamente com os colegas apenas por e-mail ou plataformas colaborativas, como o Trello.
WhatsApp, Telegram, Facebook Messenger e afins são melhores para falar com a família e os amigos (tirando aqueles grupos de “bom dia” em loop, rs). Melhor não dar o seu número móvel para alunos, orientados e colegas.
A sua vida pessoal agradece.
2. Desative as notificações de novas mensagens em todos os seus gadgets ou deixe-os em modo avião no trabalho.
Não, você não precisa saber em tempo real quando alguém quer falar contigo.
E-mails não precisam ser respondidos imediatamente. O telefone não explode, se você não atendê-lo. Você não vai render no trabalho, se a sua mente estiver distraída.
Cada vez que um app de mensagens pisca na sua área de trabalho, um boto vermelho morre.
3. Estabeleça horários fixos para checar mensagens.
Eu, por exemplo, checo e-mail e mensagens instantâneas apenas três vezes ao longo do meu horário de trabalho: quando chego no laboratório, depois do almoço e antes de ir embora.
À noite, em casa, ignoro e-mails. Respondo apenas mensagens instantâneas e, mesmo assim, tento não gastar tempo demais com elas. Mais do que isso é desnecessário, a não ser que você seja um médico obstetra.
Estabeleça os seus próprios horários, com base nos seus hábitos de trabalho e lazer.
4. Responda apenas uma pequena parte das mensagens que recebe.
Recite comigo um mantra libertador: “eu não preciso responder todas as mensagens que recebo“. Todo dia, ao acordar, repita-o três vezes em frente ao espelho, depois de escovar os dentes.
Crie um sistema de classificação pessoal das mensagens de entrada, rotulando-as como “preciso ou posso responder agora”, “posso responder depois no momento X” e “não preciso responder”. É como proposto no método GTD. Saiba diferenciar a prioridade das mensagens com base em dois fatores: (i) as suas responsabilidades e (ii) os prazos das tarefas.
Mensagens que envolvem tarefas de sua responsabilidade devem ser respondidas. Sempre que você puder responder logo uma mensagem dessas e diminuir a sua caixa de entrada, faça-o imediatamente. Contudo, se você precisar resolver alguma questão mais complexa antes de responder a mensagem, mande imediatamente uma resposta curta, dizendo que recebeu a mensagem e vai entrar em contato em breve, e responda a demanda de forma plena depois.
Via de regra, nenhuma mensagem com mais de um destinatário precisa necessariamente ser respondida por você. Quase nenhuma mensagem com “urgente” no campo de assunto é de fato urgente. Saber se livrar de mensagens que você não precisa responder é especialmente importante nas férias. Se você não se desligar totalmente das mensagens e tarefas de trabalho nas férias, vai acabar erodindo a sua saúde. Um dia, a conta vem.
Deixe todo mundo que depende de você avisado com antecedência sobre as suas ausências. Ative as notificações automáticas de “out of office” nas férias e viagens em geral (campo, congressos etc.). Isso faz com que as pessoas saibam que você não está disponível e a partir de quando você voltará a responder mensagens.
Mesmo as mensagens enviadas apenas para você podem ser ignoradas nas férias. Se for algo realmente importante para a pessoa, ela vai te escrever de novo. Se for algo realmente importante para você, como uma oportunidade única que apareceu do nada, aí vale a pena considerar a possibilidade de talvez responder. Esse segundo caso deve representar menos de 0.1% das mensagens.
Considerando todos os tipos de mensagem (já filtrados o spam e os golpes), em média, respondo 30% de tudo que recebo. Senão, não faria outra coisa da vida. Na volta das férias, essa porcentagem cai para menos de 5%.
5. Valorize a interação presencial.
Ter uma presença online é muito importante para um cientista contemporâneo.
Contudo, saiba dosar bem o quanto de você é alocado para o real e o virtual. Lembre-de de que nada substitui o cara a cara, que envolve também comunicação corporal e química.
A nossa espécie desenvolveu traquejo social ao longo de centenas de milhares de anos de interação presencial, fora os milhões de anos de evolução dos nossos ancestrais hominídeos. Contudo, a nossa interação virtual começou a ganhar momentum só nos anos 1990. Ou seja, ontem à noite, de um ponto de vista evolutivo.
Não estamos psicologicamente bem preparados para viver no mundo virtual e ele não substitui o real. Portanto, todo cuidado é pouco.
Conselho final
Seja o mestre das ferramentas que usa, não o contrário.
Sugestões de leitura
- Como evitar o medo, o terror e a escuridão na pós-graduação
- Have smartphones destroyed a generation?
- Young people are growing ever more depressed. Is modern life to blame?
- Is Email Making Professors Stupid?
Ouça também os conselhos do Arata!
Olá Marco!
Gosto muito desse post aqui, ele tem me ajudado bastante. Tempos atrás eu estava gastando um tempo absurdo com whatsapp e até com email. Daí estabeleci alguns horários pra ver mensagens e coloquei um toque diferente para aqueles contatos que geralmente mandam mensagens mais importantes. Além disso, fiz uma coisa que tá ajudando muito: determinei um tempo de uso diário para esses aplicativos, daí quando o tempo é finalizado eu não mexo mais, só se tiver uma mensagem que precisa realmente ser respondida naquele momento.
Abraço!
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Melhor coisa que tu faz em nome da tua saúde e produtividade!
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ótimo post véi!
Preciso desse detox.. como você sabe, eu não sou uma pessoa que responde todo o email que recebe rsrs!
Ultimamente tenho adotado a estratégia “Só respondo o que me foi perguntado” e me identifiquei quando você disse que emails com pessoas em cc não necessariamente precisam ser respondidos por você.
Creio que meu próximo desafio é o detox de checar email várias vezes ao dia. Parece que às vezes queremos ver emails novos só como distração pro trabalho que está na nossa frente e precisa ser feito.
Mas tem dias que eu torço para não recebe emails, entretanto o monstro da procrastinação me faz checar o email automaticamente! Parece que o dedo indicador tem uma atração pelo g do gmail ahhaha..
Enfim, seria melhor tirar um horário para ver e responder emails. Uma colega minha chama isso de emailing, tempo pra isso precisa ser arranjado na agenda do doutorado 🙂
Uma coisa que aprendi sobre emails é que às vezes é melhor não responder na hora do que dar uma resposta curta e imprecisa, ou até ríspida ou prática demais, pois somos humanos e textos não são emojis.
E também muitas vezes pensar alguns dias sobre uma resposta não é pedir demais, afinal precisamos de planejamento no trabalho.
Agora, como você consegue fazer o item 3? (Estabeleça horários fixos para checar mensagens)
Sinto que pessoas viciadas precisam de um primeiro passo para esse detox.
Eu consigo não olhar os emails quando chego em casa do trabalho ou nos finais de semana. Mas ao longo do dia é muito difícil não olhar fora do horário.
abs,
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Oi Rê, tente usar um curso de campo, ou viagem de coleta de dados, como detox. Depois de passar 15, 30 dias no mato, você lembra que e-mail não é uma função fisiológica, rs. Quanto à dica 3, é apenas uma questão de disciplina. Você tem que se policiar, saber reconhecer os seus gatilhos comportamentais. Checar e-mail é um vício como fumar, por exemplo. Será que não é um gole de cerveja que te dá vontade de fumar? Qual será o equivalente no relacionado ao e-mail?
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Nossa, depois de 2 anos vi sua resposta! ahah! Nossa, você tem razão, deve haver gatilhos importantes que levam as pessoas a olhar o email toda hora. Acredito muito no que você disse sobre disciplina. Organização é tudo, e “Disciplina é liberdade”! Depois que acabou o doutorado, eu sinto que melhorei muito meu gerenciamento de emails. Parece que aprendi a estabelecer limites e me desintoxiquei do vício.
Obrigada pelas dicas!
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Que bom que tu melhorou nisso! E-mail e redes sociais despertam vários gatilhos de vício na nossa mente. O principal gatilho é a ilusão de importância, porque, quanto mais mensagens recebemos e respondemos, mais achamos que estamos crescendo em relevância profissional e pessoal. É uma grande ilusão alimentada pelo egocentrismo. Por isso é preciso usar essas ferramentas com muito cuidado.
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Legal! Mas, a frase “Via de regra, nenhuma mensagem com mais de um destinatário precisa necessariamente ser respondida por você” é perigosa. Gera altas frustrações quando se tenta combinar alguma coisa (uma discussão de artigo, um curso, uma reunião, um projeto em colaboração) com diversas pessoas e as pessoas simplesmente não respondem. Uma coisa é uma mensagem enviada para um grupo de laboratório ou uma mensagem genérica; outra coisa é algo enviado para um pequeno grupo de pessoas escolhidas a dedo para participar daquilo. Pra mim, se eu, por exemplo, mando um email perguntando para algumas pessoas se elas têm interesse em uma palestra, ou um projeto, ou algo do tipo, e as pessoas não respondem, isso pra mim significa “não, não tenho interesse, e não te considero digno de uma resposta.” -)
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Então, cara, recomendo não levar tão para o lado pessoal eventuais não-respostas a e-mails. A gente tem que se policiar com essas coisas, para não cair na “neurose dos risquinhos do WhatsApp”. Quando alguém não reponde uma mensagem coletiva, não quer dizer que a pessoa não te acha digno de resposta. Quer dizer apenas que ela considera que a opinião dela mesma não é tão importante assim no meio das outras. Ou, mais simples ainda, pode ser que a pessoa simplesmente pensou “outra pessoa vai resolver isso”. Quando você fizer questão de resposta, escreva para cada pessoa separadamente, de modo que elas sintam que suas opiniões individuais importam. É uma questão de ponto de vista. 😉
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Então… Não sei. Por exemplo, se é um grupo de estudo que tem cinco membros, eu espero que os cinco membros respondam, senão fico na espera de uma resposta que nunca vem e nada é feito; ou senão se eu mando um email coletivo, mas cito nomes de pessoas neles, eu espero que elas respondem. Uma coisa é perguntar “Alguém tá interessado em fazer isso?” ou “Alguém pode ajudar nesse projeto?” – se ninguém responder, beleza, ninguém pode. Outra coisa é perguntar “João, você pode fazer tal coisa? Marco, você pode fazer tal outras coisa?” – o email teve múltiplos destinatários, mas teve perguntas direcionadas. Ou senão quando se enfatiza que espera-se que todo mundo responda…
Eu falo isso depois de anos de frustrações tentando combinar grupos de estudo, até conseguir fechar um grupo pequeno mas confiável, rs.
Por outro lado, é importante também que pessoas saibam pra quem responder… Quase nunca há necessidade de clicar no “responder para todos” – a pergunta pode ser pra todos, mas a resposta normalmente enviou o email, exceto quando é um tema que outras pessoas na lista tenham provável interesse.
E escrevi sobre isso recentemente, inclusive: https://anotherecoblog.wordpress.com/2018/01/19/etiqueta-online/
Abraço!
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Oi Pavel, eu te entendo, também já passei por isso. O importante é mudar de estratégia, quando a comunicação não funciona. Hoje eu nunca mando mensagens para pequenos grupos. Comunicação em grupo, só no caso de mailing lists, como a do meu lab. Sempre tento conversar um a um. Funciona muito melhor.
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Humm… Interessante! Vou tentar adotar isso. Valeu! 🙂
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Genial, Marco!
O desgaste é intenso e as atividades não rendem, quando priorizamos o que não deveria ser priorizado as prioridades se tornam o que eu chamo de “prioridade goma de mascar” no sentido de que não se desgrudam nunca de nós. Mas aí está: o problema não é a complexidade da tarefa, mas o quão dispersos ficamos enquanto imersos nas redes sociais ou checagem de e-mail, mensagem, enfim, uma vez que isso impede a fluidez das diversas atividades ao longo do dia. Há em meu smartphone uma pasta em que reuni as redes sociais e e-mail, está nomeada como: “Cuidado” rsrsrs… e não é pra menos, né!
Abraço!
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Oi Marina! Adorei sua medida de precaução, rsrsrs. O bom é que foco é uma coisa que pode ser treinada.
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