Humboldt: intercâmbio premium!

Inspirado por um evento recente do qual participei em Bonn, resolvi compartilhar uma dica que pode mudar a sua vida.

Ok, você está quase no fim da sua Jornada do Cientista. Já cursou ensino básico, graduação e mestrado. Agora só falta defender o doutorado para se tornar um profissional da pesquisa. Nesse ponto, surge uma dúvida existencial:

Existe vida após a defesa?

Sim, existe, e ela pode ser maravilhosa! Como já comentei em outros textos, ninguém sai pronto do doutorado. Um ou mais pós-doutorados (a.k.a. postdoc) são necessários para um cientista amadurecer e desenvolver ao máximo o seu potencial, antes de encarar um compromisso mais pesado e engessante. Garanto que o postdoc pode ser uma das melhores fases da sua carreira.

Só que para essa fase ser realmente memorável, você precisa tomar boas decisões. Não adianta correr atrás da primeira bolsa que aparecer, por medo de ficar sem renda. Não adianta pular de bolsa em bolsa, sem alinhá-las a um plano de longo prazo. Não adianta encarar o postdoc como um mero interlúdio entre o doutorado e o primeiro emprego estável, durante o qual você fica “se preparando para concursos”.

É preciso viver o postdoc como uma grande oportunidade em si mesma. Nesse contexto, faz toda diferença do mundo qual fonte de financiamento você escolhe. Dependendo das suas aspirações, fontes convencionais, como Capes e CNPq, podem ser a escolha certa. Em outros casos há fontes melhores ainda, como a FAPESP, cujas bolsas em vários níveis, inclusive as de postdoc, já vêm com intercâmbio embutido.

Vale ressaltar que intercâmbios são fundamentais para oxigenar pessoas e instituições. Se você aceitar esse desafio e decidir fazer postdoc no exterior, pode ir além do standard e partir para um esquema premium! Nesse caso, vale a pena pedir bolsa ou salário (sim, dá para fazer postdoc com carteira assinada) para uma sociedade acadêmica renomada.

Que sociedades são essas?

Existem várias. A escolha certa no caso de um intercâmbio premium depende primeiro de com quem você quer trabalhar e em qual país essa pessoa está. Sim, o supervisor é uma escolha mais importante do que a instituição ou o país.

Supondo que você tenha os EUA em mente, uma excelente opção é a Fullbright. Outros países desenvolvidos oferecem oportunidades similares. Por exemplo, há programas sensacionais organizados pela Comissão Europeia.

Só que há diferenças entre as agências de fomento de um mesmo país. Qual é o pulo do gato então? O bônus que cada uma inclui no pacote! Dependendo de qual delas te financia, você ganha uma série de verbas complementares e ainda cria laços acadêmicos valiosíssimos.

Olhar com carinho para esse bônus foi um dos conselhos mais preciosos dados a mim pela minha mentora, Elisabeth Kalko. Ela mudou a minha vida de várias formas, mas talvez a principal delas tenha sido me revelar a existência da Alexander von Humboldt-Stiftung. Essa fundação bancou o meu segundo postdoc e me abriu as portas para um mundo novo.

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Visitando o site (espelhado em alemão e inglês), você pode descobrir mais sobre a missão e atuação da fundação.

Inaugurada em 1860, a Fundação Humboldt é vinculada ao governo federal alemão e patrocina cientistas que já conquistaram o título de doutor (para quem ainda é estudante há o DAAD). Naturalmente, ela dá grana para pessoas que querem ir para a Alemanha. Ou para pessoas que são alemãs e querem experimentar a ciência em outros países. Muitos dos contemplados se tornaram estrelas da ciência: entre os seus 29 mil alumni há 55 ganhadores do Prêmio Nobel.

O que a Humboldt financia, exatamente?

Lá vai o primeiro lema da fundação:

“A Humboldt financia pessoas, não projetos”

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A fundação não tem cotas para áreas, temas ou países. Ou seja, o foco dela são os indivíduos. Mesmo assim, ela tenta balancear a razão sexual dos contemplados.

Você pode conseguir financiamento em diferentes fases da sua carreira como faixa preta.  No programa básico, a fundação oferece bolsas de postdoc júnior e sênior. Junto com a bolsa, o departamento que te recebe ganha um belo overhead. Você ainda leva de brinde verbas complementares, como passagens aéreas, auxílio instalação, auxílio eventos e curso de alemão. Caso você tenha família, pode ainda contar com uma complementação à bolsa e uma grana para o seu cônjuge aprender alemão.

Sim, mesmo que você e a sua família não falem alemão, a Humboldt paga para vocês aprenderem. É possível até mesmo que te mandem para a Alemanha meses antes de iniciar oficialmente o seu projeto, com a missão de fazer um curso intensivo de alemão. Naturalmente, o inglês é o idioma chave para fazer ciência na Alemanha e outros países desenvolvidos. Só que saber o idioma local ajuda muito a ter uma experiência pessoal mais rica.

Sério, gente. Isso tudo só no programa básico.

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Alexander von Humboldt, o nosso patrono, um dos maiores naturalistas de todos os tempos. Também conhecido como “o último homem que sabia de tudo”, colaborou com intelectuais do naipe de Goethe, Jefferson, Cuvier, Gay-Lussac e Darwin. Este ano comemoramos os 250 anos do seu nascimento com uma série de eventos ao redor do mundo. Fonte da imagem.

A fundação conta ainda com programas temáticos, como por exemplo o Sofja Kovalevskaja Award. É uma espécie de JP da Fapesp, por si só um programa sensacional (que bancou o meu primeiro postdoc), só que turbinado. O foco é auxiliar você na instalação de um grupo de pesquisa na Alemanha. No generoso pacote recheado de euros vêm até mesmo salários para técnicos e pós-graduandos.

Saindo da ciência básica e indo para a aplicada, há programas que visam ajudar no desenvolvimento dos países de origem dos bolsistas. Um bom exemplo é o Georg Forster Research Fellowship for Postdoctoral Researchers. Outros programas têm um foco ainda mais amplo, visando a solução de problemas da humanidade, como no caso do International Climate Protection Fellowship. Este segundo é voltado para pesquisadores de todas as áreas dedicados a estudar e solucionar a questão das mudanças climáticas.

Há também vários programas para pesquisadores experientes e já estabelecidos, com perfil de sabático. É o caso do Friedrich Wilhelm Bessel Research Award, um prêmio reservado para cientistas reconhecidos internacionalmente como excelentes em suas áreas, e que já foi ganho por alguns brasileiros.

Atenção agora: para os experientes a cereja no bolo é a Alexander von Humboldt Professorship. Trata-se de nada mais nada menos do que um programa que paga um cargo de professor para você em uma universidade alemã. Ou seja, além de bolsas e overheads, a Humboldt também banca salários e verbas de outros tipos, dependendo do programa e da fase da carreira em que você está.

O cardápio completo de programas, com várias modalidades, pode ser conferido clicando na imagem abaixo. Você pode ver um por um de A a Z ou então filtrá-los por fase da carreira e escopo.

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O que mais a Humboldt oferece?

Nossa, isso tudo não é suficiente para você? Sem problema, tem mais!

Durante a sua estadia de pesquisa na Alemanha, a Humboldt cuida de você de forma muito mais pessoal do que qualquer outra agência de fomento. Você não é apenas mais um número, que precisa esperar semanas até obter respostas para dúvidas simples. Você é um indivíduo, com uma pessoa diretamente responsável por você (Referat), que se esforça para te entender, atender e acolher.

Para facilitar ainda mais a sua integração, vários eventos são organizados para enturmar você com a equipe da fundação e os demais contempladosVocê ganha até mesmo viagens culturais para conhecer melhor a história e a geografia da Alemanha. E a sua família não fica de fora desses eventos!

Com tantos mimos, você se sente VIP e volta mal acostumado para a realidade do terceiro mundo…

… Só que os mimos não acabam depois da sua volta!

“Uma vez humboldtiano, sempre humboldtiano”

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Esse é o segundo lema da fundação. Quer dizer que, ao ganhar qualquer um dos financiamentos oferecidos, você cria um vínculo vitalício com a Humboldt. Sim, forever and ever and ever!

Depois que você retorna ao seu país de origem, recebe convites para participar de eventos, como Kolleg, Kolloquium ou Preisträgerforum, no seu próprio país ou na Alemanha. Muitas vezes com as despesas pagas. Foi num desses eventos, onde ciência, filosofia e arte se misturam de forma magnífica, que tive a inspiração para uma das linhas de pesquisa do meu laboratório.

Além de ser convidado para eventos, você também pode continuar sendo patrocinado de outras formas. Quem já teve uma fellowship, grant ou award, sendo portanto um alumnus ou Preisträger, pode ainda pedir verba para novas estadias curtas na Alemanha de até três meses através do programa Further research stays in Germany.

Esse financiamento vale também para material de pesquisa. Depois que eu retornei ao Brasil e me estabeleci como professor, ganhei um auxílio para equipamentos, que me permitiu comprar computadores top para o laboratório. Há também auxílios para compra de livros, custeio de publicações, participação em eventos e organização de eventos, entre outros. E não há limite de vezes para pedir esses auxílios!

Além de ter essas verbas todas à sua disposição, você também passa a ser convidado para reuniões temáticas e think tanks na sua área de especialidade. E você se torna um potencial Gastgeber para novos humboldtianos vindos da Alemanha para o seu país.

“Mas, Marco, isso não é para mim…”

Por que não seria? Sei que muitas vezes somos tratados que nem gado no Brasil. O pior é que nos acostumamos e passamos a acreditar que devemos manter as quatro patas no chão e o rabo entre as pernas. Contudo, se você quiser evoluir na carreira acadêmica, precisa se livrar do complexo de vira-lata e reaprender a sonhar. Nesses meus anos de jornada, já vi muita gente boa conquistar bem menos do que poderia, simplesmente por não acreditar em si mesma.

Conselho final

Se você admira algum cientista da sua área que trabalha na Alemanha, considere fazer postdoc ou sabático pela Fundação Humboldt. Você terá a oportunidade de trabalhar em um dos países líderes da ciência mundial, com um legado riquíssimo em ciência, filosofia e arte. E terá à sua disposição uma infraestrutura espetacular, além de entrar em contato com mentes brilhantes de diversas origens. Experimentar o humboldtverso pode mudar a sua carreira e, além dela, a sua vida.

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Prosit! Fonte da imagem.

Para saber mais

  1. Alexander von Humboldt-Stiftung
  2. Fundação Alexander von Humboldt: Oportunidades de pesquisa na Alemanha
  3. Deutscher Akademischer Austauschdienst
  4. Dicas para pós-graduação na Alemanha
  5. Por que fazer intercâmbio acadêmico internacional?
  6. Esquecido, Humboldt inspirou cientistas e inventou a ecologia
  7. The Invention of Nature: Alexander von Humboldt’s New World

(Imagem destacada: Naturgemälde, o tataravô dos infográficos, publicado por Humboldt & Bonpland em 1807, no livro “Ideen zu einer Geographie der Pflanzen nebst einem Naturgemälde der Tropenländer“. As ideias de Humboldt moldaram a nossa visão atual da natureza como uma “teia da vida“)

13 respostas para “Humboldt: intercâmbio premium!”

  1. Quer dizer que existem lugares que valorizam os cientistas?
    Parece mais sonho do que qualquer outra coisa! Quem dera um dia nós não precisemos escutar que “Está cheio de doutor sem emprego, mas é difícil encanador passar fome”!
    Que venham os bons dias…

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