Pandemia do novo coronavírus, Parte 7: biodiversidade e pandemias

Quais são as causas de uma pandemia? Podemos evitar que novas pandemias aconteçam em um futuro próximo? Qual é a relação entre a biodiversidade e o surgimento de pandemias? Confira um resumo do que sabemos até agora sobre esse tema neste post resumindo o novo relatório do IPBES (#PandemicsReport)

Oi, pessoal!

No nosso pacotão de textos sobre a pandemia de COVID-19, já discutimos a relação entre a pecuária e o risco de pandemias. Além disso, também refletimos sobre o papel dos morcegos e dos virologistas no cenário atual. Neste novo post, falamos sobre a relação entre biodiversidade e pandemias.

Um relatório crucial da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos das Nações Unidas (IPBES) foi publicado recentemente, no dia 29 de outubro de 2020. Ele representa um esforço monumental de diversos especialistas ao redor do globo para discutir biodiversidade e pandemias. Revisei esse documento como external expert e gostaria muito que o conhecimento sintetizado nele atingisse um público tão amplo quanto possível.

Por conta disso, convido vocês, caros leitores, a lerem pelo menos este post. Mas, se quiserem ir mais a fundo na parte técnica da questão, leiam também o relatório original (#PandemicsReport).

Aqui eu resumi para vocês as mensagens principais do relatório, incluindo os press releases em português e também em inglês. Esses press releases, listados ao final deste post, são essenciais para atingir um público mais amplo do que a academia e os tomadores de decisões. Vocês também podem assistir ao vídeo oficial abaixo:

Principais mensagens do relatório

Se você deseja entender a essência do conhecimento que foi sintetizado nesse relatório, preste atenção aos seguintes pontos:

  1. As pandemias representam uma ameaça existencial à saúde e ao bem-estar das pessoas em todo o planeta.
  2. O surgimento, o impacto e o controle das pandemias estão profundamente ligados à biodiversidade e à perda dela.
  3. Novas doenças surgem principalmente em países tropicais ou subtropicais que possuem alta biodiversidade.
  4. As primeiras pessoas a serem infectadas frequentemente vivem em regiões remotas ou rurais, em países em desenvolvimento e com baixa capacidade de diagnosticar e tratar rapidamente novas doenças.
  5. Monitorar essas regiões remotas ou rurais é essencial para controlar e conter a propagação de pandemias.
  6. A mudança no uso da terra e o comércio de animais selvagens, especialmente o comércio ilegal ou mal regulamentado, são os principais motores do surgimento de pandemias, incluindo da COVID-19.
  7. Pandemias, como a COVID-19, ressaltam a interconexão da comunidade global e a crescente ameaça representada pela desigualdade social para a saúde, o bem-estar e a segurança de todas as pessoas.
  8. O crescimento exponencial no consumo de produtos por meio da mudança do uso da terra e do comércio globalizado, muitas vezes impulsionado pelos países desenvolvidos, levou várias vezes ao surgimento de doenças em países em desenvolvimento que possuem alta biodiversidade. Condições estas que, portanto, devem aumentar o potencial para a emergência de novas zoonoses.
  9. A mortalidade e a morbidade podem, em última instância, ser mais altas nos países em desenvolvimento, devido às restrições econômicas que afetam o acesso à saúde. No entanto, para pandemias de grande escala como a COVID-19, os impactos econômicos também podem ser graves nos países desenvolvidos que dependem de economias globalizadas.
  10. Sem vacinas ou tratamentos eficazes, as taxas de mortalidade per capita do COVID-19 parecem ser mais altas em alguns dos países desenvolvidos, como os EUA e em países da Europa, talvez refletindo inconsistências de dados, bem como diferenças na quantidade de condições propícias a pandemias.
  11. As pandemias estão se tornando cada vez mais frequentes, sendo impulsionadas por um aumento contínuo nos eventos de doenças emergentes que levam a elas (Allen et al. 2017; Pike et al. 2014). O aumento contínuo da densidade populacional humana, os padrões atuais de consumo, a invasão dos habitats naturais, a degradação dos ecossistemas, a industrialização do comércio de animais selvagens, as mudanças climáticas e a intensificação da produção agrícola nos conduziram à atual Era das Pandemias.
  12. Sem estratégias preditivas e preventivas, as pandemias surgirão mais frequentemente, se espalharão com mais rapidez, levarão à morte mais pessoas e prejudicarão a economia global com mais frequência e com um impacto mais devastador.
  13. A atual estratégia para prevenir essas calamidades depende, em grande parte, da resposta às pandemias depois que elas surgem aplicando medidas de saúde pública e soluções tecnológicas, em particular o rápido desenvolvimento e implementação de novas vacinas e tratamentos.
  14. A pandemia de COVID-19 progrediu por um caminho lento e incerto e, enquanto o mundo espera que novas vacinas se tornem disponíveis, pandemias como a atual custam caríssimo às sociedades, em vidas perdidas, sequelas para os sobreviventes, desemprego e colapso econômico.
  15. Tudo isso afeta as pessoas marginalizadas, como negros, pobres, indígenas e comunidades tradicionais, muito mais do que outras pessoas.
  16. A redução da frequência e do impacto de pandemias exigirá mudanças transformadoras, que são necessárias para a conservação e restauração da biodiversidade e de seus serviços ecossistêmicos (IPBES 2019). Isso inclui mudanças nos paradigmas sociais, objetivos e valores que substituem o vigente consumo insustentável e o uso predatório da biodiversidade, que possam reduzir estrategicamente as causas das pandemias.
  17. A Avaliação Global de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos do IPBES concluiu no ano passado (IPBES 2019) que tais mudanças transformadoras são necessárias para que tenhamos chances concretas de alcançar as metas globais de conservação da biodiversidade e sustentabilidade para 2030.
  18. Embora muitas dessas políticas sejam potencialmente custosas, difíceis de executar e com sucesso incerto, o investimento nelas vale a pena, pois é muito menor do que o custo causado pelo impacto da COVID-19 e de pandemias futuras.
  19. O custo de implementação dessas medidas fica provavelmente entre 22 e 31,2 bilhões de dólares americanos, e pode ser menor (de 17,7 a 26,9 bilhões) se os benefícios do desmatamento sobre o sequestro de carbono forem levados em conta. Provavelmente, o custo anual das doenças emergentes (incluindo a COVID-19 ) excede 1 trilhão de dólares (Dobson et al. 2020).
  20. Todas as evidências listadas no relatório demonstram que a emergência de novos patógenos está se acelerando, assim como os impactos das mudanças climáticas. Para ambos os problemas existe um intervalo de tempo ideal para iniciar políticas globais de prevenção, após o qual, mitigar os impactos causados se torna extremamente difícil.
  21. Pesquisas demonstram que o momento ideal é agora (Pike et al. 2014)*. Essas novas políticas podem fornecer um caminho para mudanças transformadoras que irão prevenir novas pandemias.

*Como vocês notaram, o “agora” já havia chegado há alguns anos.

Espalhando as notícias

Se você quiser ajudar a divulgar essas informações vitais para toda a sociedade, compartilhe, além deste post, os seguintes press releases:

  1. Pandemias mais mortais surgirão sem proteção à natureza, alerta ONU
  2. Proteger a natureza e os animais reduzirá os efeitos de futuras pandemias, aponta relatório
  3. Até 850.000 vírus desconhecidos em aves e mamíferos poderiam saltar para os humanos
  4. Existem 850 mil vírus desconhecidos que podem infetar humanos
  5. Prevenir crises de saúde é mais barato que remediar, diz relatório
  6. Massey University expert on preventing future pandemics (eu apareço nesse vídeo!)
  7. Human activity drives pandemic risk 
  8. Protecting land and animals will mitigate future pandemics, report says
  9. Escaping the ‘Era of Pandemics’: Experts warn worse crises to come options offered to reduce risk

Referências

Allen, T. et al. Global hotspots and correlates of emerging zoonotic diseases. Nature communications 8, 1124, doi:10.1038/s41467-017-00923-8 (2017).

Dobson, A. P. et al. Ecology and economics for pandemic prevention. Science 369, 379-381 (2020).

IPBES. Global assessment report on biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. E. S. Brondizio, J. Settele, S. Díaz, and H. T. Ngo (editors). IPBES secretariat, Bonn, Germany. (2019).

Pike, J., Bogich, T. L., Elwood, S., Finnoff, D. C. & Daszak, P. Economic optimization of a global stategy to reduce the pandemic threat. Proceedings of the National Academy of Sciences, USA 111, 18519-18523 (2014).

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2 respostas para “Pandemia do novo coronavírus, Parte 7: biodiversidade e pandemias”

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