Todas as universidades brasileiras estão voltando ao ensino presencial agora em 2022. Precisamos então conversar seriamente sobre a prevenção da Covid-19 em sala.
Em novembro de 2019, o mundo foi surpreendido por uma nova zoonose: a Covid-19. Desde março de 2020, quando a OMS decretou oficialmente que o surto epidêmico tinha virado uma pandemia, as aulas em todas as universidades foram convertidas do formato presencial para o formato remoto emergencial. Algumas universidades fizeram a conversão logo de cara, enquanto outras pausaram as aulas e só voltaram no segundo semestre.
Aqui vale fazer um parênteses. Ao contrário do que dizem as fake news, os professores universitários não pararam de trabalhar um dia sequer. Muito pelo contrário, pois o ensino remoto dá imensamente mais trabalho do que o presencial, ainda mais quando é feito em caráter de emergência, sem infraestrutura e sem treinamento. Além disso, o ensino é apenas uma das cinco grandes categorias de atividades pelas quais somos responsáveis.
De qualquer forma, agora em março de 2022, estamos retornando em massa à sala de aula no ensino superior. Apesar disso, muitas das nossas universidades ainda não tomaram medidas realmente eficazes para prevenir a Covid-19, mesmo após dois anos. Medidas, aliás, recomendadas pelas próprias universidades com base no conhecimento científico que elas mesmas produziram.
Que medidas seriam essas? Partindo do princípio de que o grosso da transmissão da Covid-19 se dá por aerossóis, deveríamos ter adaptado as nossas aulas de aula para melhorar sua ventilação, além de fazermos testagem em massa da comunidade semanalmente e criarmos sistemas de rastreamento de contágio. Acima de tudo, deveríamos distribuir kits com máscaras adequadas em boa quantidade todo mês para professores, funcionários e alunos (nem todos podem pagar por elas do próprio bolso). Isso, fora campanhas de conscientização e educação sobre a pandemia, que nunca chegaram a ser feitas de forma coerente em escala nacional.
Bom, pelo menos estamos nos vacinando, a medida mais importante de todas. Quero deixar claro que acho que estava mesmo na hora de voltarmos à sala de aula, agora que a grande maioria dos professores, funcionários e alunos tomou duas ou três doses. O problema é que sabemos que as vacinas sozinhas não fazem milagre. As medidas não-farmacológicas citadas anteriormente precisam ser associadas às vacinas e são essenciais para transformarmos de vez a pandemia em uma endemia. Senão, continuaremos eternamente condenados a um estranho limbo epidemiológico, acelerando o surgimento de novas variantes que furam a imunidade dada pelas vacinas.
Independentemente de termos feito o dever de casa ou não, nossas lideranças estão forçando a volta à normalidade. Por um lado, sabemos que a pressão social e política está gigantesca, ainda mais em ano de eleição. Todos estamos cansados dos cuidados e restrições “anticorona” que se tornaram parte da nossa rotina. Por outro lado, o cansaço e a ansiedade são péssimos conselheiros.
Já que o retorno foi imposto de cima para baixo sem diálogo, já que ninguém se responsabiliza de verdade e já que “todos estão apenas cumprindo ordens”, precisamos nos cuidar. Para isso, é vital que observemos algumas medidas. Estamos falando de medidas baseadas nas melhores evidências científicas acumuladas após mais de 240 mil estudos publicados sobre a pandemia*.
Assim, na volta à sala de aula, lembrem-se:
1. Apenas pessoas com esquema vacinal completo (duas doses ou dose única, dependendo da vacina) deveriam frequentar as aulas presenciais. Fora isso, assim que chegar a vez de vocês, tomem as doses adicionais, que mostraram ser fundamentais para criarmos uma imunidade qualitativamente melhor e mais duradoura. Se vocês não puderem tomar as vacinas devido a alguma restrição médica, comuniquem isso à sua instituição e conversem com os responsáveis;
2. Usem máscara o tempo todo dentro de sala e em outros ambientes fechados e mal-ventilados, mesmo que a obrigatoriedade na sua cidade tenha sido revogada. Ainda é cedo demais para abandonarmos essa proteção vital. Vale ressaltar que a máscara deve ser usada da forma correta, cobrindo do alto do nariz ao queixo, e ficando justa no rosto. A máscara deve ser preferencialmente do tipo PFF2 (certificada pela ANVISA e pelo INMETRO, não importando o fabricante e o modelo), que oferece o melhor nível de proteção. Se vocês não puderem usar máscaras devido a alguma restrição médica, comuniquem isso à sua instituição e conversem com os responsáveis;
3. Não bebam ou comam dentro de sala. Se precisarem se hidratar ou alimentar durante o horário das aulas, saiam de sala e façam isso ao ar livre, fora dos prédios;
4. Toquem apenas o próprio material pessoal, não toquem o material dos colegas e evitem contato físico com outras pessoas. Acima de tudo, evitem se aglomerar sem máscaras;
5. Higienizem suas mãos com álcool em gel 70% toda vez que tocarem qualquer objeto ou superfície de uso coletivo. Lavem suas mãos com água e sabão em toda oportunidade que tiverem. Nunca toquem seus rostos durante as aulas;
6. Se vocês apresentarem sintomas de gripe ou síndrome respiratória (tosse, coriza, dor de garganta, congestão nasal, febre etc.), fiquem em casa e comuniquem isso imediatamente aos professores e coordenadores. Juntos, vejam a melhor forma de proceder, de acordo com os protocolos das suas universidades. Via de regra, pessoas que se contaminarem devem ficar afastadas das aulas presenciais por um determinado número de dias. Contudo, lembrem-se de que a maior parte da transmissão da Covid-19 se dá de forma assintomática, então todo cuidado é pouco;
7. Pode ser que as universidades de vocês ainda não lhes tenham comunicado um protocolo oficial para o retorno seguro às aulas presenciais. De qualquer forma, já que somos cientistas é fundamental que nos informemos sobre a pandemia direto nas fontes primárias e secundárias oficiais (revistas científicas, relatórios de organizações internacionais, notas de observatórios da pandemia etc.).
Para saber mais:
Chaves 2022. Estudos detalham a eficiência das máscaras. Revista Pesquisa FAPESP: https://revistapesquisa.fapesp.br/estudos-detalham-a-eficiencia-das-mascaras/
COMORBUSS, notas técnicas: https://comorbuss.org/Publications-and-Reports
Cota, monitoramento do número de casos confirmados de COVID-19 no Brasil: https://covid19br.wcota.me
Greenhalg et al. 2021. Ten scientific reasons in support of airborne transmission of SARS-CoV-2. The Lancet: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00869-2
Johansson et al. 2021. SARS-CoV-2 Transmission From People Without COVID-19 Symptoms. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.35057
Morais et al. 2021. Filtration efficiency of a large set of COVID-19 face masks commonly used in Brazil. Aerosol Science and Technology: https://doi.org/10.1080/02786826.2021.1915466
Munro et al. 2021. Safety and immunogenicity of seven COVID-19 vaccines as a third dose (booster) following two doses of ChAdOx1 nCov-19 or BNT162b2 in the UK (COV-BOOST): a blinded, multicentre, randomised, controlled, phase 2 trial. The Lancet: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02717-3
Observatório Covid-19 Fiocruz, notas técnicas: https://portal.fiocruz.br/observatorio-covid-19
PFF para Todos, informações detalhadas sobre máscaras: https://www.pffparatodos.com
Sobrevivendo na Ciência 2020. Compilado de informações sobre a pandemia: https://marcoarmello.wordpress.com/covid19/
Sobrevivendo na Ciência 2021. Como filtrar informação científica com base na fonte: https://marcoarmello.wordpress.com/2021/06/07/filtragem/
Tang et al. 2021. Covid-19 has redefined airborne transmission. British Medical Journal: https://doi.org/10.1136/bmj.n913
World Health Organization, Coronavirus disease (COVID-19): How is it transmitted? https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/coronavirus-disease-covid-19-how-is-it-transmitted
*Consulta feita à base Web of Science em 14/03/22, usando o termo “covid-19” e considerando todos os tipos de publicações.
Adendo (17/03/22):
Como não poderia deixar de ser, nesses tempos estranhos em que vivemos, o ensino remoto virou mais um tema toxicamente politizado e polarizado nas universidades. Ao invés de discutirem o tema focando no que é melhor para o processo ensino-aprendizagem, muitos colegas agora se comportam de forma tribal. Defendem ou atacam o ensino remoto com virulência, transformando-o em uma questão ideológica. O mais surreal é que os posicionamentos alinhados à esquerda ou à direita tem se invertido de tempos em tempos, com as tribos trocando de opinião extrema na velocidade da luz.
É triste ver que a pandemia não nos ensinou nada a esse respeito, apesar de as técnicas de ensino remoto terem salvado a nossa barra por dois anos. O ponto é que o ensino presencial tem muito a ganhar com uma adoção bem planejada de técnicas do ensino remoto, especialmente as que são nativas do mundo EAD ou MOOC, feita de forma madura e não emergencial.
Não estamos falando em converter os cursos do ensino superior todos para formatos 100% remotos, mas em misturar o presencial com o remoto de diferentes formas e em diferentes graus, dependendo da natureza de cada curso. Se vocês quiserem conhecer em maior profundidade a minha opinião sobre o tema, leiam este artigo, escrito junto com colegas.
Adendo (18/03/22):
Nada está tão ruim, que não possa piorar…
Adendo (05/05/22):
Mesmo que todos tenham cansado das medidas preventivas, cientistas continuam fazendo seu papel inconveniente de manter o pé no chão.