Por que precisamos de um Currículo Canônico de Ecologia?

Você também tem a impressão de que a nossa ciência anda meio bagunçada? Vamos conversar sobre isso.

Sabe quando você recebe um novo estudante de pós no lab e não tem como saber a priori o quanto dos fundamentos ele domina? Ou quando você lê várias palavrinhas da moda em um artigo, mas não consegue saber com certeza o que os autores quiseram dizer? Ou quando você percebe que uma novidade quentíssima, publicada em uma revista top, na verdade, já tinha sido relatada décadas antes?

Pois é, você não está sozinho. Como muitos colegas vêm apontando há décadas, a Ecologia acabou se fragmentando em diversas subdisciplinas pouco integradas, o que acaba gerando problemas de recrutamento, comunicação e perspectiva. No entanto, estamos diante de uma oportunidade única de unir esses fragmentos, solucionar esses problemas e integrar nossos esforços de maneira mais eficiente.

Para isso, estamos propondo que construamos juntos um Currículo Canônico de Ecologia, a ser usado para treinar as próximas gerações. Esse currículo seria estruturado em torno de uma base composta por teorias fundamentais, estudos de caso clássicos e métodos comprovados, que deveriam ser ensinados em todos os programas de pós-graduação ao redor do mundo. Essa base comum minimalista eliminaria a ambiguidade em relação ao que um ecólogo aprende em diferentes cidades, países e continentes, em termos de conhecimentos e habilidades fundamentais. Além disso, ela fortaleceria o nosso vocabulário para comunicação interna e nos permitiria construir pontes sólidas que liguem a teoria à aplicação.

Vale ressaltar que essa base deixaria ainda um amplo espaço para a criatividade e a liberdade de cada instituição ensinar conhecimentos e habilidades relevantes à sua própria realidade. Acreditamos que a aprendizagem contextual, baseada em exemplos, valores e necessidades locais, é fundamental para engajar jovens estudantes e formá-los como profissionais capazes de resolver os grandes desafios que enfrentamos no século XXI.

Por fim, convidamos todos para uma colaboração global, através da qual possamos definir metas comuns, compartilhar experiências, desenvolver esse currículo e operacionalizá-lo no mundo real. Nossa colaboração começa agora, com este chamado à ação. Pretendemos desenvolvê-la ao longo dos próximos anos, através de workshops presenciais (como este) e plataformas de trabalho remoto, com o fomento de sociedades acadêmicas, universidades e institutos de pesquisa.

Para saber mais sobre essa proposta, leia o nosso artigo que acaba de ser publicado na revista Basic and Applied Ecology:

(Fonte da imagem destacada)

9 respostas para “Por que precisamos de um Currículo Canônico de Ecologia?”

  1. Marco, você leu a minha mente? 🙂
    Eu tenho pensado faz tempo sobre isso – Existe um conjunto de coisas que espera-se que toda ecóloga e todo ecólogo dominem? Minha impressão é que não, não existe.
    Não li o artigo ainda (eu tenho estado bem lento na leitura de artigos!) mas acho que gostei das recomendações gerais na Tabela 1.
    Eu acho que, em primeira olhada muito rápida, senti falta de relacionar mais com questões sociais; mas aí entra a questão se questões sociais devem mesmo fazer parte de um currículo básico de ecologia. Empiricamente, eu diria que sim (PPGs em Ecologia frequentemente as abordam); teoricamente, eu diria também que sim (seres humanos modificam profundamente os sistemas e são movidos por questões sociais).
    Outra questão complexa é que temos ao menos três áreas que me parecem fortemente relacionadas entre si, mas que ao mesmo tempo são bem diferentes: ecologia; ciência da conservação; e gestão ambiental. Pessoas da ecologia trabalham na conservação e na gestão ambiental, sem ter necessariamente formação para tal. Seria o caso de incorporarmos explicitamente essas questões nas pós-graduações em ecologia? Ou seria o caso de definirmos que são coisas distintas, e ecologia estaria pra gestão ambiental como física está pra engenharia?
    Anyway, quero contribuir com isso aí 🙂
    Uma ideia seria uma série de workshops locais, para discutir essas questões e também dar mais voz a grupos de pesquisa em locais mais distantes… (Já estou pensando em como seria interessante ter um workshop assim na Bahia).

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    1. Oi, Pavel! Obrigado pelo comentário. Dê uma lida no artigo todo, pois muito do que você comenta está contemplado nele. Depois estarei à disposição para discutir os problemas e soluções. Um abraço!

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      1. Oi Marco,

        Li o artigo. Gostei! Parabéns pra vocês 🙂

        Eu acho que no geral concordo com os pontos principais.

        Primeiros pensamentos após a leitura: Eu pensaria no currículo canônico contendo também ciência translacional. Ou talvez seriam dois currículos canônicos, um para a ecologia básica focada em entender o mundo (como vocês colocaram), e outro para ecologia aplicada focada em dar recomendações de manejo. Este lado aplicado poderia incluir questões gerais de ciência translacional, transdisciplinaridade… e também algumas aplicações importantes.

        Uma dificuldade de fazer isso é definir a que este lado aplicado seria aplicado. Afinal, podemos aplicar ecologia para conservação da biodiversidade assim com para manejo de pragas e para aumentar a produção agrícola em monoculturas (quando estudei ecologia de populações vegetais, muitos exemplos eram de agronomia). Mas talvez quem for trabalhar com ecologia aplicada, precise ter noções de todas essas vertentes…

        E acho que também ao fazer este currículo, é importante ter nele definições claras do que ele aborda e o que ele não aborda mas que comumente se acredita que faz parte da ecologia. Uma discussão eterna, por exemplo, é se pesquisas sobre ensino de ecologia, ou sobre educação ambiental, ou sobre políticas públicas pertencem a um PPG em ecologia. (Minha visão sobre isso é que sim, porque as relações de pessoas com a natureza afetam as ações de pessoas que alteram a distribuição e abundância de organismos; então um projeto sobre ensino de ecologia faz sentido em um PPG de ecologia, se partir desta abordagem…)

        Abraço!

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        1. Oi, Pavel!

          Muito obrigado por ler o artigo e voltar aqui. Um dia precisamos debater essas ideias ao vivo e nos mexendo, pois o tema é complexo. Esses pontos que você tocou são fundamentais mesmo. E nos fazem voltar a um ponto que comentamos no artigo: onde deve começar e terminar um currículo canônico?

          Por um lado, a ideia é que um currículo canônico seja verdadeiramente minimalista, focado nas bases conceituais e empíricas da Ecologia, que a definem como uma disciplina independente. Isso é fundamental para um currículo canônico poder ser usado em vários lugares pelo mundo, mas sempre deixando um espaço enorme para o currículo local, baseado na realidade, valores e necessidades de cada instituição, cidade, país e região geopolítica. Na verdade, um currículo canônico deveria representar no máximo 1/3 do conteúdo principal a ser ensinado num PPG.

          Por outro lado, existem muitas coisas que são consideradas como parte da Ecologia em alguns lugares, mas em outros são vistas como partes de outras ciências ou mesmo como ciências independentes. A Educação Ambiental é um excelente exemplo. Até onde elas fariam mesmo parte do que seria um currículo canônico, por natureza universal, ou pertenceriam aos outros 2/3+ que completariam a formação dos ecólogos naquela instituição?

          É o tipo do problema complexo que merece ser discutido em workshops presenciais e maturado ao longo de anos, através de muito debate e compartilhamento de informações.

          Cola lá em Leipzig em setembro com a gente para começar a discutir essas coisas!

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          1. Hummm faz sentido! Sim… Pode ser escolha de um PPG focar em questões teóricas e de ecologia básica, e de outro focar em ciência aplicada (sendo que as aplicações mudam). Isso é às vezes até refletido no nome do PPG. Então faz sentido!

            Se eu tivesse mais dinheiros e mais pessoas com quem deixar minha doguinha, iria pra Leipzig com certeza! xD

            Abraço!

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            1. Pois é, a minha opinião nessa questão da especialização é ainda mais diferente da da maioria, fugindo dessa dicotomia entre ciência básica e aplicada.

              Eu acho que, no nível do PPG, deveríamos repensar profundamente a formação de cientistas no século XXI. Ainda estruturamos tudo para formar apenas profissionais acadêmicos, sendo que nunca coube todo mundo dentro da academia e hoje continua não cabendo. Mais do que nunca, precisamos de profissionais com sólida formação científica capazes de atuar nos mais diferentes setores da sociedade. Assim, nos PPGs, deveríamos focar no ensino estruturado de conhecimentos canônicos e habilidades transferíveis relacionadas ao fazer ciência.

              A especialização em ciência básica ou aplicada, de que tipo, e focada em qual tema, deveria ser adquirida na prática, sob orientação de um orientador principal e um comitê, tendo a tese de mestrado ou doutorado como principal ferramenta para aprendizagem baseada em projetos. Essa especialização seria construída então nos laboratórios, OGs, ONGs, OIs, empresas e demais organizações onde o pós-graduando atuasse diretamente durante o curso. Assim, garantiríamos a formação de cientistas com um pacote básico de conhecimentos e habilidades que poderiam ser usados tanto dentro quanto fora da Academia, para resolver problemas acadêmicos e práticos.

              Precisamos integrar melhor academia e sociedade.

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              1. Concordo!

                Eu sempre acreditei que mestrado pode ser uma experiência boa independentemente da pessoa querer trabalhar na Academia depois, por causa das coisas e habilidades que aprendemos; e agora estou começando a achar que doutorado também, vendo pessoas que fizeram doutorado e fazem excelentes trabalhos em ONGs, consultoria, prefeitura… Doutorado ensina muitas coisas que podem, se bem implementadas, trazer melhorias para diferentes setores de trabalho.

                Acredito que aprender a fazer pesquisa é essencial, obviamente, e a escrever artigos também porque, bom, é assim que divulgamos e validamos nossa pesquisa, né? Escrever artigos também ensina a tentar fazer o melhor trabalho possível e depois melhorar ele mais ainda com base no retorno recebido.

                Na Bahia sei de dois exemplos legais que dão passos nessa direção de formar não só pra Academia. No PPGECB-UESC, no doutorado existe o estágio em gestão, que todo mundo no doutorado precisa fazer. A ideia é pessoas trabalharem um tempo (tipo um estágio, mesmo) em algum setor relacionado a conservação. Exemplos de que lembro agora incluem trabalhar junto à gestão de uma UC e colaborar com a criação da lista de espécies ameaçadas. E no PPGEcoTAV-UFBA temos a disciplina Prática em Resolução de Problemas, cujo objetivo é estudantes colaborarem com a resolução de um problema real, apresentado por algum setor da sociedade, por exemplo um movimento social.

                A importância da orientação é algo válido de ser enfatizado também… Parte se aprende em disciplinas, mas muito se aprende no grupo de pesquisa, com quem te orienta… E também com outras pessoas! Por exemplo, pra minha formação foi essencial participar de projeto de extensão – Trilha da Natureza – e também do grupo de estudos em educação ambiental na UFSCar e do lab de Miltinho na Unesp. Mas meio que isso já está fugindo do assunto.

                Abraço!

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