Um bom título deve ser como uma manchete de jornal

Muitos aspiras e novatos dão pouca importância aos títulos dos projetos, trabalhos de conclusão de curso e artigos que escrevem. Aqui neste post quero desfazer esse terrível engano e passar algumas dicas sobre como elaborar um título eficiente.

A maioria dos artigos sequer é lida, muito menos citada

Como não me canso de repetir, vivemos em um mundo lotado de cientistas profissionais. Competimos uns com os outros por bolsas, empregos e auxílios. Isso, sem contar atenção e espaço em congressos e revistas. Portanto, a menos que você estude um assunto surrealmente especializado, aposto que dentro da sua grande área de interesse saem dezenas de novos artigos todo mês.

Coloque-se na pele de um colega de outro país. Ele está fazendo a sua pesquisa bibliográfica e dela resulta uma longa lista de leituras potenciais. O que o faz escolher alguns trabalhos e ignorar outros?

Por que o seu trabalho seria o escolhido, se o tal colega nem sabe onde fica o seu país? Por que, ao invés do seu, ele não leria o trabalho de alguém que vem de um grande hub da ciência, como EUA, Inglaterra ou Alemanha? O fato é que a esmagadora maioria dos artigos científicos publicados acaba nunca sendo lida, muito menos citada. Veja uma análise de citações para a área de Biodiversidade, por exemplo.

Linhas de filtragem de literatura

“Mas, Marco, por que isso acontece?”

Caro aspira, simplesmente porque não dá tempo de ler tudo. Ponto. É humanamente impossível, então não faz sentido tentar. Dessa maneira, tenha em mente as seguintes linhas de filtragem que capturam a atenção do leitor (ou a perdem) passo a passo:

Palavras-chave > título > resumo > figuras > conclusões > artigo inteiro

O seu artigo só vai aparecer na busca do seu colega lá do outro lado do mundo, se você fizer uma boa combinação de título e palavras-chave. Ela precisa ser informativa e ligar o seu trabalho claramente às teorias gerais que lhe servem de base. Se ela ligar o seu artigo apenas a temas de interesse muito restrito, certamente o levará ao ostracismo.

Contudo, se essa combinação der certo e fizer com que o seu artigo seja mesmo encontrado, é o título que vai convencer o leitor potencial a ler o abstract. Se o abstract estiver convincente, o leitor baixará o PDF e, então, dará uma olhada em outra parte do artigo, até decidir se vai mesmo lê-lo na íntegra.

A partir desse ponto, a ordem de inspeção preliminar varia. O mais comum é, tendo baixado o artigo, o leitor potencial dar uma olhada nas figuras. Com isso, a pessoa tenta capturar a moral da história e ver se o trabalho é de fato interessante, original e relevante.

Supondo que as figuras consigam manter a atenção do leitor, ele vai procurar as conclusões. Geralmente no primeiro ou no último parágrafos da discussão, ou em uma seção à parte, dependendo da revista.

Caso o leitor continue fisgado até esse ponto, só então pode ser que ele venha a ler o trabalho inteiro. Um dia, talvez, ele até use as suas idéias de alguma forma, citando o artigo positiva ou negativamente.

Como fazer um bom título

Bom, aqui neste post quero focar no título, então vamos a ele!

Para começar a entender a importância de caprichar no título, pegue alguns jornais. Podem ser jornais impressos ou online. Pegue tanto os jornais mais sérios e de ampla distribuição, quanto os jornais de bairro e os tablóides. Veja como são escritas as manchetes das notícias, ou seja, os seus títulos. Leia várias manchetes de vários jornais e reflita sobre as possíveis estratégias usadas para escrevê-las.

Agora pegue as melhores revistas científicas generalistas, como Science, Nature e PNAS. Leia os títulos dos trabalhos mais citados nas últimas edições. Passe então para as revistas especializadas na sua área de estudo.

Agora vamos usar a Ecologia, minha praia, como exemplo. Veja os títulos dos artigos mais citados em revistas como Nature Ecology and Evolution, Oikos, Journal of Animal Ecology, Biotropica, The American Naturalist, Ecology, Ecology Letters, Biology Letters, Proceedings of the Royal Society B e Oecologia. Reflita sobre como foram escritos os títulos de alguns desses trabalhos. Tente fazer uma engenharia reversa dos títulos.

Tendo feito essa engenharia reversa, pergunte-se: o que os títulos dos melhores artigos científicos têm em comum com as manchetes de jornais?

Penso que cinco pontos, principalmente:

1. Bons títulos são sucintos.

Não é à toa que as melhores revistas científicas dão limites pequenos para o número de palavras de um título. A questão não é economizar espaço, mas evitar que os títulos sejam mortalmente chatos e percam a atenção do leitor. Portanto, não enrole: seja sucinto.

Títulos longos dão vontade de passar para o próximo artigo nos resultados da busca.

2. Bons títulos são claros.

No texto como um todo, mas principalmente no título, evite jargão e termos excessivamente herméticos. Para prender a atenção do leitor, a mensagem do título deve estar muito clara, sem ambigüidades ou rebuscamento, devendo ser escrita em uma linguagem leve e acessível.

Lembre-se: você não quer se gabar da sua erudição, mas convencer as pessoas a lerem o seu trabalho.

3. Bons títulos são sexy.

Bom, estou falando sexy no sentido de atraente, provocante. Para realmente chamar a atenção do leitor e fazer com que ele leia o abstract, o título deve despertar nele uma curiosidade quase obsessiva. Assim, procure usar alguns buzzwords que estão na moda, além de termos gerais que liguem claramente o seu estudo ao grande quebra-cabeças ao qual ele pertence.

Procure brincar com a mente do leitor, formulando a mensagem de maneira não-convencional ou mesmo surpreendente.

4. Bons títulos são informativos.

Um artigo científico não deve ser como um filme de suspense. Conte logo de cara o que de mais interessante você descobriu no seu trabalho. Estampe na vitrine do seu artigo a conclusão mais original, inovadora ou contraintuitiva que você tirou a partir do contraste entre expectativa e realidade.

Algumas revistas de Ecologia pedem também que você inclua a região ou ambiente de estudo, apesar de isso nem sempre ser necessário ou mesmo vantajoso.

5. Bons títulos são como manchetes de jornal.

Resumindo os quatro pontos anteriores, chegamos a essa mensagem central. Escreva o título do seu artigo como se ele fosse uma manchete de jornal.

Bons exemplos

Quero apresentar algumas estratégias para se escrever um bom título, considerando os cinco pontos que listei acima e mais outros que deixei para você descobrir por conta própria. Dou aqui alguns exemplos de excelentes títulos publicados nas mais diversas revistas científicas. Note a variação de estratégias entre eles.

  1. A novel resource–service mutualism between bats and pitcher plants (DOI: 10.1098/rsbl.2010.1141) – Quem não gostaria de ler um trabalho que, surrealmente, relata um mutualismo entre morcegos e… plantas carnívoras!
  2. Comparing genomes to computer operating systems in terms of the topology and evolution of their regulatory control networks (DOI: 10.1073/pnas.0914771107) – O título mostra que a criatividade desses autores não tem limites, a ponto de terem comparado genomas a sistemas operacionais!
  3. Dynamic spread of happiness in a large social network: longitudinal analysis over 20 years in the Framingham Heart Study (DOI: 10.1136/bmj.a2338) – “Na boa véi”, os caras estudaram a alegria como se fosse uma doença contagiosa!
  4. Cheating on the mutualistic contract: nutritional gain through seed predation in the frugivorous bat Chiroderma villosum (Phyllostomidae) (DOI: 10.1242/jeb.114322) – Um excelente título que faz uma brincadeira com trapaças em contratos e causa estranheza, pois 99% dos morcegos são dispersores e não predadores de sementes.
  5. Getting to the bottom of anal evolution (DOI: 10.1016/j.jcz.2015.02.006). Talvez um dos títulos mais divertidos de todos os tempos. Entrou para os anais da ciência.
  6. Atlantic forest mammals cannot find cellphone coverage (DOI: https://doi.org/10.1016/j.biocon.2018.02.018) – Título muito divertido e instigante, bem conectado à grande sacada metodológica que os autores tiveram no artigo.
  7. What is for Dinner? First report of human blood in the diet of the hairy-legged vampire bat Diphylla ecaudata (DOI: 10.3161/15081109ACC2016.18.2.017) – Este título ficou tão criativo e instigante, que o artigo ganhou o prêmio IgNobel de Nutrição 2017!
  8. Unleashing the Kraken: on the maximum length in giant squid (Architeuthis sp.) (DOI: http://dx.doi.org/10.1111/jzo.12347) – Um dos títulos mais maneiros que já vi! Só consigo ler com a voz do Liam Neeson, rs.
  9. Finding NEMO: nestedness engendered by mutualistic organization in anemonefish and their hosts (DOI: 10.1098/rspb.2006.3758) – Um título super-criativo, misturando ecologia com cultura pop.
  10. Finding love in a hopeless place: A global database of misdirected amplexus in anurans (DOI: https://doi.org/10.1002/ecy.3737) – Eu nunca tinha visto um título criativo para um data paper, mas sempre há uma primeira vez para tudo.

Piadas no título

Alguns desses títulos contêm piadas, outros não.  Os títulos com piadas são divertidos, porém arriscados, por três razões.

Primeira, é muito difícil fazer um título que seja ao mesmo tempo eficiente e divertido. Quase sempre o que acontece é o título ficar engraçadinho, mas vago.

Segunda, piadas só têm graça no contexto cultural específico de um determinado local e tempo. Portanto, o risco de não serem entendidas pela maioria dos leitores é enorme. Como sempre, tenha o seu público-alvo em mente.

Terceira, muita gente torce o nariz para piadas na Academia. Então você arrisca o seu ethos, quando lança um título engraçado, ainda mais quando a piada não funciona.

Sendo assim, recomendo a vocês começarem tentando fazer títulos curtos, instigantes e informativos como manchetes de jornal. Isso por si só já é bem difícil e requer prática. Depois que dominarem esse tipo de título, tentem encaixar uma piada ou outra, quando pertinente, observando as seguintes condições:

  1. A piada deve ter por objetivo destacar a mensagem principal do artigo e não apenas divertir os próprios autores;
  2. A piada precisa fazer sentido dentro do contexto cultural do público-alvo do artigo;
  3. A piada não pode ser de baixo calão, nem boba; ela precisa ser inteligente e elegante.

É a mesma lógica de aprender a andar de bike. Primeiro tente com rodinhas, depois sem rodinhas, depois sem uma das mãos e, por fim, um dia você arrisca pedalar sem ambas as mãos.

Veja uma análise bem interessante sobre a influência do humor, além de outros fatores, sobre o padrão de citação de artigos.

Sugestões de leitura:

  1. Como escrever títulos impossíveis de serem ignorados e clicados
  2. The advantage of short paper titles
  3. The AIDA technique

(Fonte da imagem destacada)

15 respostas para “Um bom título deve ser como uma manchete de jornal”

  1. Olá, professor!
    Seu post é esclarecedor, mas ainda não tirou minha principal dúvida: posso usar aspas no título (ou subtítulo, mais especificamente)? A situação a que me refiro é a seguinte: a pessoa construiu o título a partir de um poema e, como subtítulo, usou um verso desse poema. Um título pode ser construído assim? Esse verso deve ficar entre aspas? Aspas no título? É correto?
    Exemplo:
    TÍTULO: “subtítulo”
    Outra dúvida: o subtítulo deve ser escrito com letras minúsculas, como no exemplo acima?

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    1. Oi Naianna, obrigado. Confesso que nunca tinha visto um caso assim, com citação no título. Suponho que as aspas sejam necessárias em todas as citações literais, inclusive essa que você comentou. O subtítulo deve, sim, vir com inicial minúscula. Um abraço!

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  2. Muito bom texto. O título é algo bem importante mesmo! Quando estou fazendo uma pesquisa bibliográfica (especialmente se já estou cansada) percebo que às vezes nem leio o título inteiro se ele parece longo demais ou cheio de palavras que não conheço… Mas queria te perguntar: qual a sua opinião sobre títulos em forma de perguntas?

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    1. Obrigado, Aline! Olha, em 90% dos casos, título em forma de pergunta, na verdade, ficam a mesma coisa se você deletar a interrogação. Só funciona mesmo botar em forma de pergunta, se você for bem criativa ou então aproveitar uma grande pergunta que paira por aí e todos já conhecem.

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