Como se portar em um congresso

Mesmo correndo o risco de cair na auto-ajuda, achei importante escrever sobre o comportamento de alguns colegas em eventos científicos. Sim, este é um post sobre etiqueta: “no congresso com Marco”.

Vamos começar pela diferença entre ética e etiqueta. A ética é o ramo da Filosofia que se dedica a estudar os valores morais humanos. Podemos dizer que ela contém uma subárea, a etiqueta, por sua vez relacionada a normas de comportamento para um bom convívio social em diferentes situações.

Para marcar a diferença entre as duas, podemos dizer que a ética se preocupa com questões morais mais profundas e abrangentes. Por outro lado, a etiqueta foca em questões menores, mas que nem por isso deixam de ser importantes.

Um bom cientista deve se portar com ética na sua área, seguindo as normas estabelecidas pela comunidade em que trabalha. Por exemplo, se você for um mastozoólogo, deve observar as diretrizes para uso de mamíferos em pesquisa e ensino recomendadas pela American Society of Mammalogists e pela Comissão de Ética no Uso de Animais da sua instituição, a fim de evitar sofrimento desnecessário às cobaias. Só que não basta você ter uma conduta ética.

Um bom cientista precisa observar também a etiqueta da própria comunidade. Isso está longe de ser uma frivolidade, ao contrário do que alguns pensam. A ciência é uma cultura humana com seus próprios valores e rituais, como sempre faço questão de repetir. Além disso, há diferentes tribos dentro da ciência, cada uma com costumes próprios.

Você não precisa ser uma ovelhinha obediente, que faz tudo igual aos outros. Muito pelo contrário: a desobediência é importante na ciência, assim como na vida. Só que você precisa ao menos conhecer os costumes dos seus pares, a fim de ter uma melhor comunhão com eles e evitar conflitos tolos.

Organizei este post de acordo com os cinco erros de etiqueta mais graves que tenho visto em congressos:

1. Conversar durante as palestras

Sério, preciso explicar isso em detalhes? O velho ditado “quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas” deveria ser aprendido em casa, levando puxão de orelha dos pais. Infelizmente, hoje em dia, cada vez mais aspiras saem do lar direto para a universidade sem um pacote familiar de etiqueta. Fora muitos sêniores que se acham no direito de fazerem o que quiserem. Você pode achar que, se falar bem baixinho com o amiguinho ao lado, ninguém vai notar. Na boa véi, até o palestrante nota.

Se você mantiver conversas miúdas durante uma palestra, incomodará não apenas os colegas imediatamente ao seu redor, mas também correrá o risco de fazer o palestrante perder a concentração. Esse erro é mais comum entre brasileiros, que falam pelos cotovelos, mas também ocorre com menor freqüência entre colegas de outras culturas.

Recomendação: cale a boca, espere a palestra terminar e deixe o bate papo para o coffee break.

Atualização: hoje, alguns anos depois que escrevi este texto, cabe fazer uma atualização sugerida por um colega. O novo inimigo da concentração nas palestras são os smartphones, tablets e notebooks. Muitos espectadores em palestras decidem que é uma boa ideia usar esses gadgets ao invés de prestarem atenção, iluminando com suas telas mega-brilhantes salas que deveriam estar escuras. Isso distrai o palestrante e o público tanto quanto o burburinho clássico das maritacas ansiosas. Gente, pelo amor de Darwin, bom senso!

2. Estourar o tempo destinado à sua palestra

Infelizmente, nós, latinos em geral, não damos valor ao tempo. Não vou entrar em questões comportamentais-sociológicas de “por que a gente é assim?“. O fato é que em outras culturas o tempo é algo muito precioso. Se te derem 10 min para apresentar o seu trabalho e mais 5 min para perguntas, ou seja, 15 min no total, apresente o seu trabalho usando de 8 a 12 min, nem mais, nem menos.

Se você apresentar em 15 min cravados, não haverá tempo para discussão e você terá desperdiçado uma ótima oportunidade de interagir com o público em tempo real. Se você passar de 15 min e ninguém te remover do palco com uma vassoura, como se você fosse um pedaço de carne podre, você vai comer o tempo do palestrante seguinte e causar uma cascata de atrasos na sessão. Isso é especialmente catastrófico em congressos com sessões paralelas, nos quais as pessoas esperam poder trocar de sala a cada 15 min, sem perder nada.

A pior forma de mostrar desrespeito por um colega de trabalho é roubar o tempo dele, seja demorando demais numa palestra, atrasando-se para uma reunião ou invadindo a sala dele para uma “conversa rápida” sem hora marcada.

Recomendação: se você for convidado ou selecionado para dar uma palestra em um congresso, pratique, pratique e pratique, até ficar o mais próximo da meta quanto possível.

3. Interromper uma conversa para puxar papo com um colega

Como eu disse em outro post, não deixe conversas para depois do congresso, porque a maioria dos figurões de cada área anda atolada de trabalho. Assim, responder e-mails de colegas que você não conhece está longe de ser prioridade.

Só que não seja mala! Se você detectar no coffee break um colega com o qual quer conversar, mas ele estiver conversando com outra pessoa, fique por perto e, pacientemente, espere a conversa acabar. Há uma chance em mil de ele estar sendo importunado por outro mala e você, por sorte, acabar salvando-o. Mas há 999 chances em mil de você apenas ser inconveniente. Você não quer causar uma primeira impressão desse tipo, não?

Recomendação: a paciência é uma virtude que deve ser cultivada com carinho.

4. Ser prolixo em uma primeira abordagem

Ok, você esperou pacientemente e, finalmente, pode conversar com aquela professora que escreveu o livro que serve de base para as suas pesquisas. Alegria, alegria!

Mas não se empolgue demais e não banque o tiete. Seja objetivo, especialmente numa primeira conversa, evitando ser bajulador ou sabichão. Vá direto ao ponto, após uma pequena auto-apresentação, e preste atenção à linguagem corporal da sua colega. Note se ela está interessada, indiferente, entediada ou encostando o cano de um revólver na própria cabeça.

Se tiver um feedback morno, encerre a conversa assim que possível, agradeça-a pelo tempo e prometa manter contato depois. Se ela parecer profundamente aborrecida com a conversa, encerre o papo nos primeiros minutos e se despeça educadamente. Por outro lado, se ela ficar engajada na conversa e também fizer perguntas, aproveite e desenvolva o papo. Se der a hora da próxima sessão, pergunte educadamente se ela deseja assistir alguma outra palestra ou se gostaria de conversar mais.

Talvez essa seja a sua única oportunidade em vida de conversar pessoalmente com essa silverback. Mas a oportunidade precisa ser aproveitada de forma positiva.

Recomendação: bom senso e atenção à linguagem corporal fazem milagres.

5. Tratar os colegas iniciantes como lixo

Este puxão d’orelhas vai para os colegas que estão há mais tempo na Jornada do Cientista. Não importa o estágio da carreira em que você está: trate todos com humildade, especialmente os mais novos.

Muitos que estão engatinhando na ciência ainda se sentem inseguros e o seu desabrochar depende muitas vezes de feedbacks positivos. Em um congresso internacional, caso você já esteja estabelecido na carreira, use o seu networking para dar espaço aos neófitos. Ajude-os a conhecer os colegas mais experientes, enturme-os. E, acima de tudo, trate-os como colegas, iguais a você, não inferiores. Isso vale não somente para professores em relação a alunos, mas também para postdocs em relação a doutorandos, doutorandos em relação a mestrandos, e mestrandos em relação a graduandos.

Infelizmente, há por aí muitas “autoridades de garganta” (não estou falando dos otorrinos, rs!), ou seja, pseudo-peritos que construíram uma reputação fake na “Era Pré-Lattes”. Hoje em dia, eles se ressentem da falta de atenção e da ausência dos holofotes sobre as suas cabeças. Talvez para se sentirem melhor consigo mesmos, pisam nos neófitos em congressos, humilhando-os como podem. Tem gente que só se sente grande se achar que os outros são pequenos. Enfim, para a pobreza de espírito entre acadêmicos os únicos remédios são a aposentadoria ou a morte.

Felizmente, a Academia não é feita apenas de Sarumans, havendo também alguns Gandalfs para iluminar o caminho. Procure identificar, com a ajuda de colegas mais experientes, quem são os verdadeiros grão-mestres da sua área, que trajam faixas vermelhas e brancas. São aqueles professores que estão sempre dispostos a apontar a solução de um problema ou a dar uma palavra de incentivo. Mire-se no exemplo deles, evitando contato os malas, que apenas irão apontar direções equivocadas ou depreciar você e o seu trabalho em nome de um prazer mórbido.

Recomendação:

“Ser humilde com os superiores é um dever; com os iguais, cortesia; com os inferiores, nobreza; e com todos, segurança!”

Bruce Lee

Conselho final

Boas maneiras não custam nada e abrem mil portas.

Sugestões de leitura

  1. Academic etiquette: Tips on conducting yourself at an academic conference
  2. ESA Meetings Code Of Conduct
  3. How to deal with those awkward conference questions (according to Twitter)
  4. Ok, what’s the most terrible behaviour you have witnessed at an academic conference?
  5. Prof. Montoya’s Guide to Networking Success

(Fonte da imagem destacada)

31 respostas para “Como se portar em um congresso”

  1. Olá, Prof Marco. Acabei de encontrar o seu blog!! Achei fantástico! Os textos são ótimos!!! Não consigo parar de ler!!!
    Abraço,

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  2. dicas que valem não só para o meio acadêmico, mas para todas as situações da vida…ética, etiqueta, respeito, honestidade, humildade, solidariedade, são comportamentos que se completam e nos fazem pessoas melhores.

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  3. Olá Prof. Marco! Fiquei muito feliz em encontrar o seu blog e ler os seus textos. Que bom encontrar pessoas como você que estejam dispostas a compartilharem da experiência acadêmica. É inspirador e motivador! Eu também tenho um blog, mas por enquanto tenho compartilhado as experiências da minha formação para pesquisa. Um abraço e continue escrevendo! 🙂

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  4. Só uma sugestão adicional, em relação ao tempo de apresentação. Sempre que eu dou alguma palestra ou minicurso ou apresentação oral, eu uso um cronômetro (no relógio de pulso, ou, worst case scenario, no celular mesmo). Assim só preciso olhar para o cronômetro pra saber quanto tempo ainda tenho, e isso me permite ajustar a velocidade da fala e a quantidade de detalhes. É claro que praticar a apresentação antes é importante (e algo que eu nunca fiz – só pratico ela na minha cabeça, mas nunca com pessoas… Ao menos nunca mais de uma vez…), mas às vezes temos que nos ajustar às respostas do público, explicar algumas coisas com mais detalhes se percebermos que ninguém está entendendo, enfim. Nestes casos um cronômetro ajuda bastante. 🙂
    PS: Gostei da parte sobre Gandalf e Saruman, rs.

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    1. Oi Pavel, eu também sempre uso o cronômetro do celular em palestras e aulas. As aulas não precisam tanto de treino, porque duram sempre no mínimo 50 min, então é mais fácil fazer ajustes em tempo real, ainda mais considerando que as perguntas ocorrem durante a aula, e não depois como nas palestras. Mas é claro que o domínio do tempo nas aulas vem com a prática: quanto mais aulas você já deu na vida, mas fácil se torna planejar o tempo. O problema é que as talks de 10 min requerem uma precisão bem maior. Eu não treino com outras pessoas, porque infelizmente não tenho mais tempo, mas costumava fazer isso antes. Hoje acabo praticando sozinho na véspera com o Keynote em modo de treino.

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  5. As vezes o problema é a paciência demais, ficar esperando que “desocupem” o “cara” e só depois saber que era um amigo dele, e que poderia ter aproximado!!!

    Já me aconteceu isso esperando justamente que te desocupassem Marco.

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      1. Nú, sou distraído, só agora me dei conta de que você se referiu a mim. Vamos combinar assim: se você me procurar num próximo congresso, diga quem você é e mencione este post, que pararei o que estiver fazendo para conversar contigo!

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  6. Melhores frases: ” Isso vale não somente para professores em relação a alunos, mas também para postdocs em relação a doutorandos, doutorandos em relação a mestrandos e por aí vai. Infelizmente, noto que algumas eminências pardas, ou seja, pseudo-autoridades que construíram uma falsa imagem de peritos na Era Pré-Lattes, hoje em dia se ressentem da falta de atenção e da ausência dos holofotes sobre as suas cabeças. Talvez para se sentirem melhor consigo mesmos, pisam nos neófitos em congressos, humilhando-os como podem. Tem gente que só se sente grande se achar que os outros são pequenos… Enfim, para a pobreza de espírito entre acadêmicos o único remédio é a aposentadoria ou a morte.”

    odeio esse tipo de comportamento de “cagar na cabeça” do mais novo. odeio!

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    1. Re, infelizmente, tem gente mesquinha que passa a carreira toda se comportando assim: puxam o saco de quem está acima, ignoram quem está ao lado e pisam em quem está abaixo na hierarquia profissional. Tem gente tão psicótica, que, mesmo após chegar ao cargo de professor titular, ainda faz questão de pisar também nos adjuntos e associados. A melhor resposta para essa gente é o silêncio.

      Se você, aluno, estiver um dia em um congresso e for assediado assim por um louco ególatra, ignore-o, dê as costas e siga seu caminho. O que maluco mais quer é atenção.

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