Na Jornada do Cientista, existe um ponto em que o protagonista perde o seu mentor. Sobreviver a essa perda exige calma e introspecção.
O ponto é que perdas acontecem na vida e na carreira. Ao longo da jornada contamos com a ajuda de diferentes orientadores formais e informais. Alguns de nós dão muita sorte e encontram também um mentor, que ilumina o nosso caminho mais de perto.
A diferença entre essas duas figuras de mestre é enorme. Um bom orientador é fundamental para treinar uma pessoa que deseja se tornar um cientista profissional. Já um mentor vai muito além do treinamento padrão. A relação entre mentor e padawan ultrapassa o profissional e atinge a esfera espiritual. Isso acontece, quando a química entre professor e aluno é forte, criando uma sintonia quase mágica na forma de fazer ciência e ver o mundo.
Contudo, nada é constante a não ser a mudança. Pessoas não vivem para sempre e mentores não são exceção. Muitas vezes essa perda acontece de forma concreta nas histórias de aventura. Por exemplo, quando o antagonista mata o mentor. Outras vezes, a perda é simbólica, quando o mentor simplesmente sai de cena ao notar que o padawan está pronto para caminhar sozinho. Em ambos os casos, a perda do mentor simboliza o começo da maturidade.
Em alguns casos, essa perda acontece com o mentor já idoso e aposentado. Quando é assim, o padawan pode usufruir dos ensinamentos dele por décadas, até mesmo depois de ter consolidado a própria carreira acadêmica. Outros padawans, infelizmente, perdem o mentor cedo demais devido a fatalidades. Por exemplo, na Ecologia, corremos constante risco de morte no trabalho de campo, apesar de nos esquecermos disso. De qualquer forma, humanos são frágeis e para morrermos basta estarmos vivos.
O perigo mais comum em todas as áreas da ciência, uma carreira de alta performance, é o mentor se esquecer de que não é feito apenas de mente, mas também de corpo e espírito. Muitos mergulham fundo demais no trabalho e não reservam tempo para alimentação, atividade física, cuidados médicos e vida social. Assim, muitos perdem a saúde e alguns chegam a morrer de burnout.
Caso você tenha perdido o seu mentor e ainda não se sinta academicamente maduro, o que fazer para seguir em frente?
Faz uma falta danada, por exemplo, não ter um mentor na hora de se preparar para um concurso de professor. Ou na hora de submeter o seu primeiro projeto de pesquisa em uma categoria para “gente grande”. Ou, ainda, como sobreviver à estabilidade em uma universidade de terceiro mundo, sem ter alguém que te ensine o caminho das pedras e te ampare nos momentos de desespero?
Pior é que o desespero é comum na nossa carreira. De qualquer forma, assim como quem perde os pais cedo demais, quem perde um mentor antes de amadurecer pode ter a sorte de vir a ser acolhido por uma figura substituta. Por exemplo, um outro cientista sênior que o adote academicamente. Nesse caso, o padawan pode continuar contando com os conselhos, broncas e elogios necessários para amadurecer. Mas a maioria não tem essa sorte.
Salvo raras exceções, a regra é “um mentor, um padawan”. Quer dizer que quem já deu a enorme sorte de ter encontrado um mentor acadêmico, caso o perca, em geral não arruma outro. Essa ruptura obriga o jovem cientista a crescer na marra. Para alguns, acostumar-se a ter o caminho iluminado por um mentor e de repente não contar mais com essa luz os leva a tropeçar, empacar ou dar alguns passos para trás. Isso pode ser desconcertante a ponto de acabar com a carreira de um jovem cientista.
Outros conseguem superar essa perda, mesmo após baterem cabeça por um tempo. O período de luto pode durar meses ou anos, dependendo do caso. Contudo, uma hora um padawan forte, que sabe apanhar da vida e continuar seguindo em frente, deixa de olhar para trás e começa a olhar para frente. Às vezes é preciso o padawan passar por uma crise para finalmente entender que, ou ele pára de sentir pena de si mesmo ou cai fora do jogo.
Se você estiver passando por uma crise dessas, pense em três coisas.
Primeira, mesmo que o seu mentor tenha morrido, os ensinamentos dele ficarão contigo para sempre. Lembre-se de como Luke Skywalker conversava com a força de Obi-Wan Kenobi em momentos decisivos.
Segunda, se o seu mentor ainda estivesse vivo, nada causaria mais orgulho a ele do que te ver desabrochando e se tornando um cientista maduro. Logo, vença não apenas por você mesmo, mas também por ele.
Terceira, o maior interessado em desenvolver a sua carreira é você mesmo. Logo, se você ficar paralisado pelo sofrimento, vai ser atropelado pela concorrência. Ninguém está nem aí para os seus problemas. E você, nem ninguém, é insubstituível.
O ponto principal é que a dor faz parte da vida, mas o sofrimento é uma escolha. Padecemos com dores físicas, mentais ou espirituais o tempo todo. O sofrimento, contudo, é como reagimos à dor. Podemos viver a dor e processá-la de forma saudável ou amplificá-la até que ela nos consuma.
Logo, para que a dor não vire sofrimento, foque nos seus objetivos de longo prazo. Dialogue com a memória do seu mentor. Sempre que você se deparar com uma encruzilhada, tendo que tomar uma decisão difícil, pense: por onde ele seguiria? Na dúvida, siga os exemplos dele, até desenvolver a sua própria maneira de resolver grandes problemas.
Pode acreditar que a cada problema resolvido sempre aparece um novo pela frente. Por isso, viva o seu luto e depois emerja dele mais forte. A ferida causada pela perda nunca sara completamente, mas dói menos com o tempo.
Além disso, logo você terá seus próprios alunos. Depois que os problemas deles começarem a ocupar uma parte maior do seu tempo do que os seus próprios problemas, você entenderá que agora é o mestre.
*Texto publicado originalmente no livro do blog em 2017.
(Fonte da imagem destacada: “Star Wars: Return of the Jedi” – Lucas, 1983)
6 respostas para “Como seguir em frente após a perda do seu mentor”