Nove conselhos para professores novatos

Parabéns: finalmente você completou a sua Jornada do Cientista e conseguiu um emprego acadêmico! Mas e agora?

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Às vezes é difícil saber como começar a fase independente da carreira. Fonte da imagem.

A gente passa tanto tempo trabalhando para atingir uma determinada meta, que, depois que a alcançamos, ficamos meio perdidos. Quem nunca sentiu um vazio existencial logo após defender um bacharelado, mestrado ou doutorado?

Imagine então como você se sente logo após vencer um concurso para professor? Esses momentos são como pequenos lutos e deveriam ser vividos como tal. Um processo de luto te ajuda a fazer um balanço geral da etapa que encerrou e planejar a etapa que está começando.

Bom, no caso da Jornada do Cientista, depois de conseguir um emprego acadêmico estável, a sensação de luto é bem forte. E, para piorar, você renasce para uma vida bem diferente ao tomar posse do cargo. A diferença entre o dia a dia de um postdoc e de um professor é enorme.

postdoc vs professor
So, you want to be an academic? Fonte da imagem.

Por isso, é preciso pensar com cuidado sobre os seus próximos passos. Isso inclui desde fundar um laboratório até pegar cargos administrativos.

Aqui vale fazer um adendo. Quando falo em fim da jornada, é bom deixar claro que não estou me referindo ao fim da carreira, mas sim ao fim da fase formativa e começo da fase independente dela.

Na fase independente, surgem novos desafios e tentações. O principal desafio é continuar sendo um cientista original e produtivo, mesmo tendo um excelente salário garantido para o resto da vida. Além disso, há vários problemas de gestão nas nossas universidades, que jogam baldes de água fria em jovens cientistas.

Mas há como evitar uma gripe apesar de toda essa água fria. Quero dar alguns conselhos para você, que acaba de ser promovido de postdocnovato. Já tive mais de um emprego acadêmico, além de outros empregos formais e informais (leia-se “bicos”) no mundo real. Meu objetivo é ajudá-lo a não cometer os mesmos erros que eu e outros colegas cometemos. Assim, você ficará livre para cometer erros inteiramente novos! 🤪

Como de costume, vou partir de três premissas:

  1. Você é um bom cientista;
  2. Você escolheu o seu concurso com calma;
  3. Você entende a importância de manter a mente de principiante.

Bom, supondo que você atenda essas premissas, seguem os meus conselhos.

1. Não deixe de cuidar de si mesmo

Cientistas costumam se esquecer de que não são feitos apenas de mente, mas também de corpo e espírito (em um sentido amplo). Além disso, muitos amam tanto a ciência, que deixam de cultivar a vida pessoal, vivendo “24/7” em função do trabalho. O preço desse erro pode ser o burnout, uma psicopatologia ou mesmo a morte. Sério.

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“Memento mori” – sabedoria estóica. Fonte da imagem.

Ok, na etapa da pós-graduação, durante a qual você tem que alcançar um altíssimo rendimento e passar por uma profunda transformação, é muito importante dar um gás e fazer sacrifícios. A competição na carreira acadêmica é alta, então só progride quem está disposto a trabalhar duro.

Você vai, sim, ter férias bem menores do que na graduação (mas tire férias!). Você vai, sim, perder alguns eventos familiares importantes (mas não todos!). Você vai, sim, trabalhar longas horas em algumas semanas mais puxadas (mas não em todas!). Contudo, mesmo um pós-graduando tem que pisar no freio regularmente e cuidar da própria saúde.

Depois que você virar professor então, e não precisar mais fazer sacrifícios desse tipo, cuide ainda melhor de si mesmo. Planeje bem as suas atividades profissionais e pessoais e tenha disciplina para seguir o plano.

Cultive a sua vida social, não negligencie a sua espiritualidade, envolva-se com algum hobby, devolva algo à sociedade também através de um voluntariado ou doações (dāna: दान), pratique atividade física, alimente-se corretamente para a sua idade e estilo de vida, descanse bem e visite a sua médica regularmente.

Acredite, não vale a pena sacrificar a sua saúde nem mesmo para construir o grupo de pesquisa dos seus sonhos. Além disso, uma vida multidimensional é mais feliz e produtiva do que uma vida workaholic.

2. Nunca pare de estudar

No conselho 1, recomendei que você, novato, pisasse no freio e cuidasse com carinho da sua vida pessoal. Isso significa buscar o equilíbrio, mas sem deixar a peteca cair.

Não pare na pista!”

Raul Seixas

Um cientista profissional nunca deve parar de estudar. Assim, se você quiser continuar fazendo ciência relevante, antenada com grandes problemas desafiadores de interesse internacional, deve procurar aprender coisas novas e se atualizar constantemente. Estudar, acima de tudo, deve continuar a ser um prazer, um vício, nunca uma obrigação.

“Mas, Marco, depois que virei professor, não tenho mais tempo para nada!”

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Professora novata aprendendo a lidar com suas novas atribuições. Fonte da imagem.

Sim, meu caro novato, #tamojunto. Um cargo de professor envolve milhões de atividades. Não importa. Mesmo que demore um ou dois anos, você vai ter que se organizar e aprender a gerenciar o seu tempo “like a boss”. Diminua o número, mas não a diversidade, das atividades que você desenvolve. Aprenda a dizer “não”.

O importante é você separar algumas horas preciosas da sua semana para o estudo. Não estou falando apenas da leitura de artigos, parte do feijão-com-arroz acadêmico. Estou falando de um estudo mais profundo, como por exemplo aprender uma nova análise ou teoria que acaba de ser inventada. Ou, finalmente, estudar de verdade estatística e programação.

Faixas pretas precisam, mais do que os aspiras, ser capazes de aprender novas habilidades sozinhos, sem esperar por cursos milagrosos. Continue a ser uma referência de cultura e autonomia para os mais novos.

3. Tenha paciência, jovem gafanhoto

Assim que conquistamos o nosso primeiro emprego acadêmico, estamos famintos por produzir em pesquisa, orientação, ensino e extensão. Alguns chegam ao cargo famintos também por administração. Foque essa energia criativa para desenvolver as suas atividades da melhor maneira possível.

Paciência, acima de tudo.

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“Patience, young grasshopper”. Fonte da imagem.

Para começar, não saia pegando milhões de atribuições logo de cara. Experimente as possibilidades que o cargo lhe oferece, mas com cuidado, planejando cada passo. Continue estabelecendo metas de curto, médio e longo prazo para a sua carreira, e selecione as suas atividades de acordo com essas metas.

Entenda também que a sua universidade ou instituto de pesquisa provavelmente já existiam antes de você nascer. Cada instituição tem uma história, além de regras próprias e um modus operandi. Pode até ser que muita coisa precise mudar na sua universidade. Talvez ela seja mesmo arcaica, defasada, injusta etc. Mas você não vai conseguir transformar uma cultura organizacional da noite para o dia. E tampouco vai mudar mentes e corações no grito. Conheça bem o sistema antes de tentar hackeá-lo.

Outro choque de realidade muito comum em universidades brasileiras é um professor ser contratado, apresentar-se para a missão mega-empolgado e descobrir que sequer arrumaram uma mesa para ele, que dirá um gabinete ou laboratório. Isso, em universidades onde alguns silverbacks chegam a ocupar dois, três ou quatro módulos, formando verdadeiros feudos. Contenha a sua frustração e tente contornar a situação da melhor forma possível.

4. Respeite os mais velhos

“Mas, Marco, meus colegas sêniores não me deixam trabalhar!”

Sim, infelizmente essa é uma triste realidade em muitas universidades. Alguns colegas mais velhos se ressentem da atenção que os rising stars recebem e passam a boicotá-los. Esse é um sintoma claro de que a ciência brasileira ainda não está madura.

Cada nova geração chega ao mercado de trabalho muito melhor do que a anterior, porque o país ainda está aprendendo a fazer ciência de nível internacional, fora da bolha endogâmica em que vivemos por décadas. Portanto, é raro encontrar no Brasil a figura do grão-mestre invencível, que desde cedo aprendeu a fazer as coisas do jeito certo e, além disso, acumulou grande experiência. Alguns novatos já entram no primeiro cargo com currículos melhores do que os dos sêniores, senão em volume, pelo menos em qualidade.

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Em países líderes da ciência mundial, é improvável um novato ter um currículo melhor do que o de um silverback… Fonte da imagem.

Isso faz com que esses novatos comecem no primeiro emprego arrogantes, incapazes de ouvir os conselhos dos mais velhos. Pense que, no mínimo, um colega sênior conhece a instituição melhor do que você. E, mesmo que ele faça uma ciência menos atualizada do que você, provavelmente tem muita bagagem acumulada sobre como funciona a Academia no Brasil. Você tem, sim, o que aprender com os mais velhos.

Quanto aos colegas sêniores que boicotam novatos por inveja, a única solução é esperar por sua aposentadoria. Evite chamar a atenção deles, nunca aceite os “favores” que oferecem e não dependa dos recursos da própria universidade para fazer pesquisa e extensão. Muitas vezes os comitês internos são dominados por esses Sarumans. Desde o primeiro semestre no emprego, busque verbas em editais de fomento externos, promovidos por agências governamentais, ONGs, OIs, empresas e mecenas em geral.

Mas lembre-se de que há também Gandalfs entre os sêniores, sempre dispostos a aconselhar, ensinar e acolher. Procure identificá-los e aprenda com sua experiência, pois eles podem te proteger e guiar nos primeiros anos. Grão-mestres com bom coração são um verdadeiro tesouro!

E, mais importante, quando você próprio se tornar o silverback, não se transforme nos monstros que sempre criticou e combateu.

5. Sirva à sua comunidade

No conselho 3, falei sobre a importância de não querer abraçar o mundo com as pernas. Mas há um outro lado nessa questão.

Saiba também servir quando necessário e ajudar em atividades que não te dão retorno pessoal direto e tampouco contribuem para você atingir as suas metas. Um bom exemplo são os cargos administrativos menores, como membro de colegiado de pós-graduação, câmara departamental ou congregação de instituto. Comece a considerar esse tipo de assento depois do probatório, se possível.

Lembre-se de que você faz parte de uma comunidade. A infraestrutura que você usa só existe porque alguém trabalha para mantê-la. Uma hora será a sua vez de contribuir. Só não deixe a comunidade consumir a sua individualidade. Dose sabiamente o sim e o não.

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Reunião de câmara departamental, evidenciando a harmonia transcendental que só pode ser encontrada dentro de uma universidade pública brasileira. Fonte da imagem.

Outro ponto importante é multiplicar as bençãos que você recebeu ao longo da sua jornada. Se você conquistou o título de doutor e conseguiu se estabelecer, certamente contou com vários mentores e ajudantes na sua fase formativa. Retribua o favor não diretamente a eles, mas distribua-o aos colegas mais novos ou mais necessitados. A cortesia e a gratidão devem construir uma rede que se expande e, ao poucos, conecta a todos.

6. Estude as regras do jogo

É muito comum a universidade funcionar na base de boatos e lendas. Por isso o nosso dia a dia é tão caótico.

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Não acredite em conversas de corredor. Sempre consulte as regras do jogo nos documentos oficiais da sua universidade. Fonte da imagem.

Em alguns lugares, descobrir informações básicas, como a sua carga didática mínima obrigatória, é mais complicado do que deveria ser. Se você perguntar sobre uma determinada regra a três colegas diferentes, ouvirá três respostas diferentes. E, algumas vezes, certos colegas mentirão deliberadamente para você, a fim de aumentarem a sua carga de trabalho e diminuirem a deles.

Bom, procure descobrir quais colegas entendem realmente de quais partes da burocracia interna. Em caso de dúvidas, fale primeiro com eles. Mas não acredite cegamente no que dizem, pois mesmo eles também podem se contaminar com boatos.

Pergunte a esses gurus não apenas sobre as regras, mas especialmente sobre as fontes delas. Ou seja, os regimentos que determinam o funcionamento da universidade. Algumas instituições disponibilizam esses documentos no site oficial. Se o sistema de buscas não for eficiente, tente procurar documentos em páginas específicas. Por exemplo, informações relacionadas aos seus direitos, deveres e benefícios como professor devem, provavelmente, estar compiladas na página da Pró-Reitoria de Recursos Humanos.

E torça para dar a sorte de o seu departamento e programa de pós-graduação terem bons secretários. Eles são os seus maiores aliados ao desbravar a selva burocrática.

7. Conheça melhor a sua instituição antes de ocupar cargos administrativos

Infelizmente, devido à estrutura administrativa amadora da maioria das universidades brasileiras, os cargos de chefia via de regra não são levados a sério. Para começar, muitos são geridos por nós mesmos e não por administradores profissionais. Nós sequer contamos com a ajuda de administradores, contadores ou advogados, quando temos que gerir recursos humanos.

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Reuniões de órgãos colegiados podem ser mortais para quem não conhece direito seus colegas. Fonte da imagem.

Em geral, apenas os cargos maiores, de chefe de departamento para cima, dão benefícios concretos aos seus ocupantes, como redução de carga didática, bônus salarial e “créditos” para progressão vertical. Cargos de reitor, por exemplo, podem ainda servir como trampolim para a política partidária. Alguns reitores com boa circulação em Brasília são nomeados ministros de Ciência & Tecnologia ou Educação, por exemplo. Outros chegam a virar vereadores, prefeitos, governadores, deputados, senadores ou mesmo presidentes.

Já os cargos menores, de chefe de departamento para baixo, são vistos mais como posições de síndico. Dessa maneira, é comum novatos serem coagidos a ocupar esses cargos menores, que ninguém quer, tão logo entram na universidade. Ao chegar, cheio de entusiasmo para escrever artigos ground-breaking e dar aulas breath-taking, você pode ser designado, por exemplo, para ajudar a escolher a nova marca de papel higiênico do instituto. Isso, se você der sorte e a sua universidade ainda tiver verba para papel higiênico.

Às vezes, querem empurrar novatos até mesmo para cargos-chave da universidade, como coordenador de pós-graduação. Alguém que acabou de sair do doutorado e chegou à sua primeira instituição, por melhor que seja o seu registro de publicações, não deveria ocupar sequer um assento em um órgão colegiado.

“Mas, por que, Marco? Você não falou que eu devo servir à minha comunidade?”

Sim, mas no tempo certo, meu caro novato. Não existe essa história de começar logo para ir aprendendo a política interna no calor da batalha. Por três razões: (i) você não conhece direito os seus colegas, (ii) você não conhece direito os protocolos oficiais e informais da sua instituição, e (iii) você precisa de sossego nos primeiros anos para montar o seu laboratório e se acostumar à nova rotina.

8. Não fique bitolado

A carreira acadêmica oferece vários tipos de atividades fascinantes. Então por que atuar só na pesquisa?

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Jovem novata experimentando mais de uma possibilidade na carreira. Fonte da imagem.

É muito comum novatos passarem em concursos principalmente com base em sua produção científica. Assim, naturalmente, esse costuma ser o foco de trabalho da maioria. Até mesmo porque o sistema não incentiva tão bem outros tipos de atividade.

Mas quem vira professor universitário acaba tendo que atuar pelo menos parcialmente também nos outros quatro pilares da carreira. No mínimo, você terá que dar aulas, a não ser que tenha prestado concurso para um instituto de pesquisa e não uma universidade. Em ambos os casos, você também terá que servir em cargos administrativos, como dito no conselho 5.

Experimente algumas das atividades que surgem com o novo cargo. É bem provável que você areje as suas ideias e se torne um cientista com uma visão de mundo menos estreita. Você vai aprender a valorizar o trabalho dos colegas que ocupam nichos diferentes do seu dentro da universidade.

E pode ser que você descubra que tem talento para outras coisas além da pesquisa, como a divulgação científica e a curadoria de museus, por exemplo.

9. Cuidado com a toxicidade acadêmica

Como dito no conselho 3, toda instituição tem uma história. Infelizmente, nem sempre ela é bonita.

O que mais tem na Academia, assim como em outras carreiras competitivas, são brigas de egos. Alguns departamentos ou institutos chegam a se dividir em “gangues”, que são formadas por colegas que se ajudam entre si e boicotam os membros de gangues rivais. Só faltam as pichações nas paredes e os latões de lixo pegando fogo.

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Evite as gangues. Fonte da imagem.

Você, novato, vai reparar que, antes mesmo de pisar na sua nova instituição, algum Don Corleone (ou seu consiglieri) vai tentar te cooptar para a gangue dele. É claro que há também colegas hospitaleiros e bem intencionados que vão querer apenas te dar as boas-vindas e te ajudar a se ambientar. O segredo é aprender a diferenciar os primeiros dos segundos.

Dica: evite quem vê o mundo em preto-e-branco.

Seja sociável, apresente-se aos novos colegas, almoce com alguns, tome café com outros. Mas maneire nos cafezinhos e tente manter a sua independência. Lembre-se de que está em um ambiente de trabalho e não no churrasco da família.

Acima de tudo, cuidado com a fofoca. Assim, quando um colega falar mal do outro para você, ouça, mas não curta nem compartilhe. Desconfie também dos colegas “vaselina”, que acendem velas ao mesmo tempo para Deus e o Diabo e nunca se posicionam, mesmo diante de injustiças. Ser neutro é muito, muito diferente de ser escorregadio.

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O mundo não é preto-e-branco. Você vai encontrar vários tons de cinza entre os colegas na universidade. Fonte da imagem.

Acima de tudo, não valorize as pessoas apenas pelo que elas produzem, mas também por como elas tratam os outros.

Conselho final

“Seja água, meu amigo.”

Bruce Lee