Como escolher uma revista para publicar o seu artigo

Atualmente, há dezenas de milhares de revistas científicas no mundo. Diante desse vasto universo bibliográfico, como escolher uma delas para publicar uma descoberta que você acabou de fazer?

Hoje o sistema de publicação acadêmica engloba desde revistas generalistas, que publicam sobre toda e qualquer ciência (como Science), até aquelas especializadas em apenas uma área específica (como Journal of Animal Ecology). Para expressar em números essa diversidade, consideremos, por exemplo, que há 168 revistas listadas no Journal Citation Reports 2019 só na categoria “Ecology”!

Portanto, escolher uma revista não é uma tarefa fácil. É bom lembrar que, lá nos anos 1990, publicar não era uma coisa tão complicada quanto hoje. Primeiro, porque havia muito menos revistas científicas, logo o universo de escolha era bem menor. Segundo, porque não vivíamos a paranóia do Culto Apocalíptico do Fator de Impacto, então escolhíamos uma revista para publicar um artigo principalmente com base em escopo (em qual assunto ela foca) e prestígio (quanto os seus pares a consideram boa).

Era um trabalho minucioso, baseado no hábito da leitura frequente e em profundidade e também na experiência de orientadores e colegas mais velhos. Só que as coisas mudaram e, nas últimas décadas, entregamos a maioria das boas revistas nas mãos de grandes editoras internacionais. Em um desdobramento que ninguém previu, passamos a cultuar cegamente os índices cienciométricos.

Por causa disso, o fator de impacto se tornou o principal critério usado pela maioria dos cientistas na escolha do veículo de publicação das suas descobertas. Resumidamente, significa dizer que quanto mais citados são os artigos de uma revista, mais atraente ela se torna para os cientistas de uma determinada área. Só que o fator de impacto não é única e nem mesmo a melhor medida da qualidade de uma revista. Há diversos fatores qualitativos que devem ser levados em conta, como escopo e reputação, já mencionados.

“Ok, Marco, sei que as coisas mudaram, mas como então devo escolher uma revista atualmente, nessa época de transição entre culturas acadêmicas?”

Vamos à resposta, mas com cuidado: há uma série de coisas a serem levadas em conta e diferentes cientistas põem pesos diferentes em cada uma delas. Portanto, as minhas recomendações não são leis e nem mesmo representam um consenso entre cientistas. Aqui falo da minha própria experiência e do que tem funcionado para mim. No começo, siga os meus e outros conselhos, mas depois monte o seu próprio prato no self-service bibliográfico. Depois você vai notar que passará a escolher a revista-alvo antes mesmo de escrever o manuscrito.

Aviso: só considere publicar seu artigo em revistas indexadas em bases de dados renomadas, como Web of Science, Scopus e Scielo, salvo raras exceções (veja outro texto sobre revistas menores). E não seja tão preguiçoso e ingênuo a ponto de usar ferramentas automatizadas para escolher revistas.

Responda para si mesmo as seguintes perguntas, nesta ordem:

1. De qual clube você quer fazer parte?

Sim, esse é o primeiro ponto a ser considerado. A ciência é uma grande cultura humana transnacional e transtemporal. Portanto, ela é composta por unidades menores, como clubes. Cada clube, dentro de uma área especializada da ciência, edita uma revista específica que serve como seu fórum principal. Além, é claro, de promover um evento próprio. Consequentemente, onde você mais publica acaba definindo a sua identidade acadêmica. Construa a sua identidade conscientemente, usando uma boa estratégia de publicação e participação em eventos.

2. Quais revistas publicam artigos sobre o mesmo tema ou sobre temas correlatos do meu manuscrito?

Esta é a pergunta mais importante de todas. Não adianta mandar um manuscrito sobre tardígrados para uma revista de mastozoologia. E muitas vezes as diferenças não são tão óbvias quanto no exemplo anterior: você precisa ser capaz de notar vieses sutis que diferenciam revistas sobre um mesmo tema. Primeiro, preste atenção às revistas que você mesmo está citando no seu manuscrito. Segundo, descubra o que as revistas da área andam publicando ultimamente.

3. Dentre as revistas que têm a ver com o meu manuscrito, de quais eu gosto mais?

Este pode parecer um critério meio subjetivo. E de fato é! A gente não escolhe revistas apenas com base em critérios objetivos ou quantitativos. Isso é uma ilusão. Um importante critério que eu uso para escolher uma revista é o quanto eu gosto dela: ou seja, o quanto os trabalhos que ela publica têm me ajudado a montar o quebra-cabeças abordado no manuscrito que estou escrevendo. Procuro sempre publicar nas revistas que admiro, independente de estarem na moda ou no topo dos rankings cienciométricos.

4. Qual é a reputação de cada revista?

Faça como antigamente. Leia muito e converse com os seus colegas. Com um pouco de experiência, você vai saber quais revistas são consideradas melhores ou piores pelos seus pares, com base em critérios sólidos. Há revistas reconhecidas como inovadoras, outras como mornas, outras como picaretas, por exemplo.

5. Qual é o rigor de cada uma dessas revistas que passaram pelos primeiros filtros?

Hoje em dia, por causa da crise na publicação científica que vivemos, as melhores revistas encontram-se engarrafadas. Ou seja, elas recebem muito mais submissões do que são capazes de processar e, que dirá, publicar. Assim, os editores-chefes, editores associados e editores de recebimento tornaram-se ultra-rigorosos. Sendo assim, então considere o nível de rigor de cada revista, com base na sua experiência e na dos seus colegas. Isso vai evitar que você perca tempo ou se estresse à toa. Às vezes, vale mais a pena publicar numa revista igualmente boa, mas não tão top.

6. Quais dessas revistas são pagas e quais são 0800?

Se você for um dos sortudos que estudam ou trabalham em uma universidade pública ou laboratório que banca as suas publicações, pule para o conselho 7. Se não for, confira a sua carteira. Desde sempre houve revistas pagas e revistas gratuitas, mas hoje as revistas de grandes editoras cobram verdadeiras fortunas de autores e leitores (sem pagar nada a editores e revisores…). Sendo assim, não adianta mandar o seu manuscrito para uma revista que lhe arrancará os olhos da cara, se você não tiver olhos para serem arrancados.

7. Depois de todas essas peneiras sucessivas, qual é o fator de impacto das revistas que sobraram?

Sim, infelizmente, concordando ou não com essa história de fator de impacto, uma hora ou outra você acaba precisando levar essa famigerada métrica em conta. Programas de pós-graduação, agências de fomento, universidades, centros de pesquisa e outras instituições acadêmicas brasileiras usam o fator de impacto, na verdade uma métrica da revista, para avaliar a qualidade individual de cada cientista. Não, isso não faz o menor sentido, mas virou moda fazer avaliações baseadas no Índice Qualis da CAPES. Logo, infelizmente, se você for um pós-graduando ou postdoc, para ter chances de se estabelecer, precisará ter publicado pelo menos alguns artigos em revistas bem ranqueadas. Procure publicar pelo menos alguns artigos em revistas acima da mediana da sua área.

Conselhos finais

Nada ajuda mais a escolher bem uma revista do que ler, ler e ler. E ouvir os conselhos dos seus pares, é claro. Por fim, não se frustre caso o seu artigo seja rejeitado na primeira tentativa, por mais que você tenha caprichado na pesquisa, na redação e na seleção da revista.

Para saber mais

  1. Advice: how to decide where to submit your paper
  2. Especialistas dão dicas para a publicação de artigos científicos
  3. How to get published in high-impact journals: Big research and better writing
  4. The relative impact factor of glamour journals is 2.166
  5. It’s time for academics to take back control of research journals
  6. Is the staggeringly profitable business of scientific publishing bad for science?
  7. A máquina que trava a ciência

23 respostas para “Como escolher uma revista para publicar o seu artigo”

  1. Olá Marco Melo tudo.
    Sou Licenciado em biologia e estudioso teórico dos quirópteros desde 2011, gostaria muito de poder ser mais atuante, tenho um artigo escrito com o titulo de: Importância dos quirópteros para as agriculturas de bases agroecológicas tendo como ferramenta a educação ambiental, mas não publicado. Gostaria muito de poder desenvolver o trabalho do meu artigo de forma prática, vendo o seu site e o seu blog resolvi escrever este comentário na esperança de poder ser se possível orientado a como proceder para ter o meu desejo de trabalhar com os quirópteros realizado.

    Desde já agradeço pela atenção.

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  2. muy bien, creo que ya comenté una vez al respecto de este tema, pero es algo bastante sensible para la mayoría de los investigadores cubanos, y aunque la ciencia no debería estar limitada por la política, en nuestro caso es difícil desligarla. Ojalá un día podamos hablar con calma del tema, pero para casi todos los cubanos es EXTREMADAMENTE difícl publicar, y en muchos casos se relaciona con la nacionalidad, así que… gracias por tu tiempo y keep going!!!

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    1. Enma, em muitos casos é difícil separar ciência de política, porque são os governos que fomentam a ciência de base. Mas, sendo cientistas, temos que tentar nos manter politicamente o mais independentes quanto possível.

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  3. É bem por aí mesmo.
    Me identifiquei em algumas passagens.

    Sei que o público que ler o “Sobrevivendo” é diverso, mas é natural que haja um direcionamento maior para leitores da biodiversidade e da ecologia.
    Penso que, em comparação com a minha área (Geografia Física/Ambiental), a área de biodiversidade/ecologia é exigente, havendo revistas em ótimo nível.

    Só para se ter uma ideia, é possível encontrar revistas avaliadas no Qualis como A2 em Geografia, sem que esta publique exclusivamente em inglês ou esteja em um dos indexadores mais renomados (Web of Science, Scopus ou Scielo)… Há caso em que nem os artigos são disponibilizados online.
    Outra diferença é que na minha área não há muitas revistas específicas (no Brasil então…). A maioria é generalista. Penso que isso mudará com o próprio amadurecimento da ciência geográfica.

    O que eu quero dizer com isso: que também é importante observar a área do conhecimento da “ciência” que você atua. Por incrível que pareça, inglês, Fator de impacto, DOI, etc. ainda são códigos indecifráveis para a massa de algumas áreas.

    Parabéns pelo texto!
    Abç

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    1. Patrick, você tem razão, há muitas diferenças entre as áreas. Eu acabo pensando mais na Biologia, especificamente em Ecologia e Biodiversidade, porque essa é a minha praia. Mas há áreas que nem sequer valorizam a publicação em revista, preferindo os livros ou anais de congressos.

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  4. Oi Marco, obrigado por esse texto e por passar sua experencia para quem esta na base da cadeia alimentar cientifica.

    Eu gostaria de saber como foi escolhida a classificacao do sistema Qualis.

    Por exemplo, por que as revistas consideradas A1 sao todas aquelas que tem um IF > 2.87 ?
    Nao faz o menor sentido, so na area de ecologia tem revistas com IF de 17. Voce pode publicar na nature (IF=36) e sua publicacao ter o mesmo peso que alguem que publicou na Oikos ou Landscape Ecology. O IF, como voce mesmo disse, ja e’ longe de ser um bom sistema para avaliar a qualidade cientifica de um artigo, mas o sistema Qualis parece pior ainda.

    Sabendo que usam o sistema Qualis para te avaliar na hora de conseguir emprego, bolsa de pos-doc etc, qual o incentivo para os alunos de tentar publicar um artigo excelente em uma revista muito boa (i.e., top) ao contrario de publicar varios artigos menos bons em revistas medias (i.e., boas).

    Abcs

    Renato

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    1. Renato, vamos mudar de pergunta? Essa aí é muito constrangedora, rsrsrs. Agora, falando sério, você tocou fundo na ferida. Realmente o sistema Qualis não faz o menor sentido. Ainda mais porque ele é usado para avaliar cientistas individuais, mas se baseia em parâmetros das revistas! E mesmo que ele fosse usado apenas para avaliar as revistas, ele é grotesco por achatar Science e Oikos numa mesma categoria, por exemplo. Sinceramente, publicar na primeira não é igual a publicar na segunda, por mais que a Oikos seja uma excelente revista. Essas linhas de corte foram baseadas em estatísticas descritivas de fator de impacto para cada área, pelo que me disseram (tentei consultar os critérios para a área de Biodiversidade no WebQualis, mas eles não estão disponíveis). A mediana 2011 de “Ecology” está em 1.83, só por curiosidade. Mas não consultei as medianas das outras áreas do JCR que compõe a área de Biodiversidade da CAPES.

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      1. OI Marco,

        Entendi. Realmente nao faz sentido nenhum. Deveriam abolir o Qualis e avaliar pelo IF mesmo. Ja que e’ para fazer uma avaliacao subjetiva pelo menos escolhe a menos pior. Apesar de o IF ser ruim, ele indica mais ou menos o quanto de suor voce teve que gastar em relacao ao dinheiro, ao intelecto, ao trabalho bracal e na redacao do artigo para publicar o seu trabalho. Deve ser frustante ter tido um trabalho imenso para publicar na Science e depois ser desmerecido pelo sistema Qualis. =(

        E se tudo isso nao bastasse, ainda ouvi dizer que dois trabalhos publicados em revistas “A2” contam mais pontos que um artigo em revista “A1”.
        Essas questoes deveriam ser discutidas por que desvaloriza totalmente a qualidade em favor da quantidade. E ciencia precisa de qualidade.

        Abracos

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