O que fazer quando você não curte o seu orientador?

Achar um bom orientador é fundamental para se tornar um cientista profissional, mas essa não é uma missão fácil. Logo, você, aspira, provavelmente vai errar uma ou mais vezes até achar a pessoa certa para o seu perfil. O que fazer então no meio do caminho, quando você escolhe errado?

As pessoas têm dificuldade em se libertar do sofrimento. Por medo do desconhecido, preferem o sofrimento que lhes é familiar.

Thích Nhat Hanh

First things first

Antes de começar, vale dizer que este post faz par com outro, escrito pela perspectiva dos orientadores. Leia-o, se já estiver no papel do mestre nessa relação.

Bom, vamos começar pelas premissas. Neste post estou supondo que:

  1. Você é um bom aspira e tem comportamento ético;
  2. O seu orientador é um bom cientista e tem comportamento ético, mesmo que ele seja um orientador ruim.

Se o seu orientador for incompetente como cientista ou um verdadeiro canalha, pare de ler este post e run to the hills! Agora, se for você o incompetente ou canalha, foi mal, mas selber schuld.

Algumas vezes a culpa não é do seu orientador

Sempre considere a hipótese de que o culpado pelo fracasso do relacionamento possa ser você e não o seu orientador. Nunca ponha a culpa nele, sem antes ter testado essa possibilidade exaustivamente. Autocrítica, autorresponsabilidade e maturidade emocional são fundamentais para quem deseja se tornar um cientista profissional e progredir nessa carreira. Na verdade, são fundamentais para qualquer pessoa adulta.

Além disso, considere que talvez a culpa não seja de nenhum de vocês dois. Pode ser que ambos sejam bons cientistas e boas pessoas, mas a combinação entre vocês é que não dê certo.

Sim, é preciso haver alguma química de trabalho entre orientador e aluno, senão a coisa não funciona no nível alto em que deveria. Como eu disse em outro post, trata-se de uma relação mestre-aprendiz, que envolve muito mais do que gostar de um mesmo tema. Um aluno workaholic não dá certo com um orientador bon-vivant, um orientador rigoroso não atura um aluno procrastinador, e por aí vai.

O segredo é, dentre os bons orientadores que estão por aí, encontrar algum compatível com o seu perfil profissional. Sim, isso não é fácil. Às vezes um relacionamento começa bem, mas acaba degringolando. Mas muitos alunos não fazem direito o dever de casa antes de escolherem um orientador, seja por inexperiência ou comodismo.

Sabe aquele seu colega que, mesmo tendo tido uma experiência ruim com determinado professor na iniciação científica, resolve fazer o mestrado com ele? Aí sofre como um condenado no mestrado e, mesmo assim, resolve continuar com o mesmo orientador no doutorado? Pois é, bom senso e coerência são importantes na ciência também.

Shit happens…

Ok, mesmo que você siga cuidadosamente todos os conselhos que eu e outros colegas costumamos dar, talvez acabe indo parar no laboratório de um orientador realmente ruim ou apenas inadequado para você.

Quando estamos começando a trilhar a Jornada do Cientista, ali entre a IC e o mestrado, não temos experiência suficiente nem na vida nem na ciência. Tem muita carniça por aí, tanto do lado dos alunos quanto do lado dos professores, então é preciso aguçar o olfato durante a busca.

Há vários tipos de orientador ruim

Vamos examinar os cinco tipos mais comuns de orientador ruim observados na selva acadêmica brasileira. Em outros países, esse top five pode ser diferente.

1. Orientador patrão de fábrica

Figurinha comum no Brasil. Esse tipo de orientador gerencia o laboratório como se fosse uma fábrica, em que só importa a produtividade geral e não a formação individual de cada aspira. Muitos caem na tentação de procurar orientadores assim, porque nos laboratórios deles nunca falta verba. Infelizmente, o nosso sistema de fomento ainda premia quantidade ao invés de qualidade na produção acadêmica. É fácil hackear um sistema baseado em numerologia. Contudo, ser formado em uma “fábrica acadêmica” é péssimo para o aspira. Você pode até sair de um lugar assim com um bom currículo, feito na carona dos papers coletivos. Mas descobrirá tarde demais que não consegue produzir sozinho sem os esquemas “milagrosos” do seu patrão.

2. Orientador control freak

Ele faz questão de cuidar de cada passo, cada atividade, cada suspiro dos alunos, se metendo até mesmo na vida pessoal deles. Já vi casos de orientador que escolhe quais esportes os alunos devem fazer, com quem devem namorar, que videogame devem jogar, qual marca de pinga devem beber etc. Tudo com a desculpa de que as atividades fora da universidade também influenciam a formação de um jovem cientista. A menos que você seja muito passivo (aí nem deveria estar nessa carreira…), esse excesso de zelo acaba sendo sufocante e castra a sua criatividade e iniciativa.

3. Orientador paizão

Ele vai cuidar de você e te fazer muitos elogios, mas nunca vai te dar bronca, nem mesmo quando você merecer. Quem fica muito tempo com um orientador assim acaba saindo do laboratório com a ilusão de que é “a única pipoquinha doce do saquinho rosa” e quebra a cara quando é confrontado com o mundo real, onde ninguém está nem aí para você. Ninguém está livre de cometer erros e boas broncas ajudam muito na formação do seu caráter e da sua ciência.

4. Orientador bipolar

Essa é uma outra figura pitoresca: você nunca sabe quando ele estará de bom ou mau humor. Conviver com um sujeito desses é como ser treinado para a carreira científica em uma montanha-russa, o que é péssimo em um ambiente onde já sofremos pressão constante de várias outras fontes. O orientador tem que ser um porto seguro para os alunos, criando uma bolha que os proteja parcialmente do “lado escuro da academia” durante a sua formação.

5. Orientador “Peter Pan”

O tipo do cara que não se preocupa nem com a formação de cada aluno nem com a produtividade geral do laboratório, mas apenas quer socializar com a galera e fingir que ainda é um garotão, curtindo adoidado o seu emprego estável. É mais fácil encontrá-lo no CA ou no boteco do que no laboratório. O “treinamento” dado por ele proporciona uma zoeira sem fim, mas uma carreira com fim bem rápido.

Sim, você pode e deve sair dessa

Ok, se a relação com o seu orientador não estiver funcionando, só há três coisas a fazer:

  1. Ponderar com calma de quem é a culpa;
  2. Tentar melhorar a relação;
  3. Mudar de orientador.

Faça essas coisas necessariamente nessa ordem.

Se você chegar à conclusão de que a culpa, na verdade, é sua, então a saída é fácil. Assuma a responsabilidade como um adulto, peça desculpas e mude de atitude. Na verdade, nem precisa focar nas desculpas: o que importa mesmo é mudar de atitude e não cometer novamente os mesmos erros. A mania brasileira de se desculpar o tempo todo, mas insistir no erro, é extremamente irritante.

Bom, se você concluir que a culpa não é sua, então o caminho é mais difícil, mas não impossível. É importante deixar claro que esse tipo de problema não é uma questão de preto-ou-branco. As coisas variam desde você admirar o seu orientador e vê-lo como um role model até você e ele quererem matar um ao outro.

Por isso, sempre tente primeiro uma “DR”, por mais chato que isso seja. “Quem não se comunica, se trumbica” (Chacrinha 1970s). Está descontente com alguma rotina do laboratório? Explique o porquê ao seu orientador e pergunte se a tal rotina precisa mesmo ser feita dessa maneira. Não concorda com o protocolo de um experimento? Sugira uma mudança, mas com bom embasamento técnico. Acha que não está recebendo atenção suficiente? Chame-o para uma conversa, prove que tem apetite e que faz por merecer. E por aí vai. Falhas na comunicação são a principal fonte de estresse no ambiente de trabalho.

Agora, se você já tiver tentado conversar com o seu orientador e ajeitar as coisas, mas isso não deu certo, seja por que for, então comece a planejar uma mudança. Não adianta dar murro em ponta de faca.

Contudo, faça essa mudança de forma madura e profissional, sem drama, seguindo estes passos:

  1. Converse discretamente com alguns colegas de laboratório e de PPG sobre o caso. Não converse com gente demais e nem com gente errada, para não alimentar com notícias a “rádio peão”.
  2. Converse também com algum professor em quem confia, que poderá ver as coisas de um ponto de vista de quem tem mais vivência. 
  3. Com base nessas conversas, veja se a crise não é maluquice da sua cabeça, antes de tomar medidas drásticas, das quais pode se arrepender. O estresse, a frustração e a raiva são os piores conselheiros.
  4. Tendo feito isso e identificado a crise como real, comece a se mexer. Antes de sair do laboratório, investigue outros orientadores potenciais no seu PPG e converse com aquele com o qual você mais gostaria de trabalhar. Não atire para todos os lados, pois isso demonstra imaturidade; aja como um sniper. Se a conversa der certo, pergunte se ele te aceitaria como refugiado.
  5. Aí então, se você conseguir uma garantia de que será aceito no novo laboratório, marque uma conversa definitiva com o seu atual orientador. Mas não use a oportunidade para lavar roupa suja ou ficar de mimimi. Diga que não está satisfeito e que vai mudar de orientador, mas que não vai deixar pontas soltas e quer negociar com ele a melhor maneira de concluir as obrigações assumidas.
  6. Quando já tiver para onde ir, converse sobre a situação com o coordenador do seu PPG e veja qual é o protocolo correto para formalizar a mudança.
  7. Trace um plano com o seu ex-orientador e o atual orientador para definir como vai fazer a transição.

Veja como fica a sua tese no meio dessa confusão

Sair com elegância de um laboratório é fundamental para a sua imagem como profissional. Essa é a atitude correta que se espera de um adulto. As pessoas geralmente te tratam da mesma forma como você se comporta.

Uma coisa que torna essa saída mais complicada algumas vezes é a autoria da tese. Ela varia desde uma tese que saiu completamente da cabeça do aluno até uma tese que lhe foi entregue de bandeja pelo orientador. A maioria fica em algum tom de cinza no meio desse contínuo.

A autoria de uma tese envolve quem definiu o problema de interesse, quem criou o triângulo básico (pergunta, hipótese e previsão), quem propôs as análises mais adequadas, quem coletou os dados, quem executou as análises laboratoriais, quem executou as análises estatísticas, quem redigiu os manuscritos e quem os submeteu a publicação.

No mestrado, mais especificamente, é comum no Brasil o aluno receber a parte intelectual (ou seja, a tese em si) pronta ou semi-pronta do orientador e ter que fazer apenas o trabalho braçal no campo ou no laboratório, dando uma contribuição conceitual relativamente pequena ao trabalho. No doutorado já é mais comum ver teses que saíram realmente da cabeça do aluno. Isso varia muito entre áreas, PPGs e países.

Eu sei que a ideia de mudar de tese completamente após um ou dois anos de pós-graduação é apavorante. Contudo, geralmente essa é a coisa mais certa a se fazer, a menos que a tese e os dados tenham sido concebidos por você sozinho, sem ajuda alguma do ex-orientador (o que é muito raro).

Acredite: fazer uma tese que envolva integrar e conciliar os interesses de um orientador atual e um ex-orientador é mais ou menos como se separar, mas ir morar junto com a atual esposa e a ex-esposa na mesma casa.

Epílogo

Quando estamos estressados ou frustrados é muito difícil enxergarmos as coisas com clareza e há um grande risco de lidarmos com problemas pequenos como se eles fossem muito maiores do que são. Assim, pense antes de agir.

Além disso, cuidado: há por aí tanto alunos e professores bons quanto ruins. Infelizmente, hoje existem organizações de mimimi profissional que tentam fomentar uma espécie de “luta de classes” entre professores e alunos, bem antenadas com o século XIX.

Meu caro aspira, não caia na conversa de picaretas. Ao contrário da lenda que corre pelos corredores acadêmicos, não apenas professores cometem abusos, mas também alunos o fazem. Entre os bons, em ambos os lados, não há conflito de interesses, pois o objetivo maior é o mesmo: fazer ciência de alto nível.

Um bom aspira não cursa uma pós-graduação acadêmica apenas para obter um título e ter seu salário aumentado em um emprego não-acadêmico (para isso existem os mestrados lato sensu caça-níqueis), mas sim para aprender como fazer pesquisas originais e relevantes.

Um bom professor não orienta um aspira apenas para adicionar mão-de-obra ao laboratório, mas sim porque vê como fundamental a missão de formar uma nova geração de cientistas.

O papo de que todos os professores dependem de aspiras para fazer pesquisas pode até valer para alguns no Brasil, mas não se aplica a todos. Os melhores professores publicam a maior parte dos seus papers como primeiro autor ou mesmo sozinhos, sendo que os papers com aspiras na posição de primeiro autor saem em menor quantidade e mais devagar. Isso é assim por causa do enorme investimento que é necessário para fazer o trabalho de um cientista inexperiente ficar bom a ponto de poder ser aceito por uma boa revista internacional.

Sugestões de leitura

  1. A importância de um bom orientador
  2. Work environment: When labs go bad
  3. The 5 Top Traits of the Worst Advisors
  4. 9 Types Of Difficult PhD Supervisor (And How To Domesticate Them)
  5. When good supervisors go bad…
  6. Can a thesis chapter be coauthored?

Fonte da imagem destacada.

14 respostas para “O que fazer quando você não curte o seu orientador?”

  1. Puxa, prof. Marco, eu passei por uma experiência ruim no exterior e seu post me traz muitos sentimentos de volta. O desespero pela publicação rápida era uma constante e eu cheguei lá pensando que isso era normal. Apenas quando os ânimos do laboratório todo começaram a se exaltar foi que eu percebi que devia correr de volta para as montanhas do Brasil.

    Muito obrigado pelas dicas!
    Quando eu voltar para o mundo da pesquisa, vou ter muito mais ferramentas que da última vez.

    Abraço,
    Palhão.

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