A importância de um bom orientador

Tenho me espantado com a quantidade de estudantes que começam a trabalhar em projetos científicos sem terem um orientador experiente. Ou mesmo sem qualquer tipo de orientação. Vamos conversar sobre isso.

Alunos ferais

Muitos alunos de Biologia, em diversos locais, tentam ingressar na pesquisa científica por conta própria. Isso acontece principalmente devido à carência de professores em algumas universidades.

Esses alunos trabalham sem as devidas licenças de pesquisa (Ibama, ICMBio, Fundação Florestal, Comissão de Ética no Uso de Animais etc.) e formam grupos paracientíficos de pesquisa amadora, nos quais reinventam a roda, fazem péssima ciência e adquirem vícios.

São o que eu chamo de “alunos ferais“: crescem sozinhos no mato, totalmente perdidos e sem alguém para educá-los. Chegam até mesmo a morder a mão que os alimenta ou acolhe.

Vale lembrar também que alguém que ainda não é formado biólogo não pode exercer a profissão (fazer pesquisa, dar aulas, prestar consultoria etc.) sem a orientação de um profissional formado. Quero alertá-los sobre alguns sérios problemas envolvidos na “feralidade”, para o seu próprio bem.

O que é preciso para aprender ciência?

Partindo do começo. Para planejar um trabalho cientifico relevante, primeiro é preciso escolher uma área de pesquisa (Ecologia, Evolução, Sistemática etc.) e se familiarizar com as teorias existentes nela, tanto as mais gerais, quanto as voltadas para um táxon específico. Somente dessa maneira você poderá detectar as lacunas de conhecimento que existem e propor um trabalho original para resolver alguma questão nova e interessante.

Sem a ajuda de um bom orientador experiente na área, é praticamente impossível fazer isso direito, a menos que a pessoa seja um gênio autodidata (quantos o são?). Só “descrever por descrever” ou “comparar por comparar” não são justificativas aceitáveis para a realização de um projeto científico que realmente vá avançar o conhecimento e não chover no molhado. É muito difícil se tornar um bom cientista, sendo que este é um caminho para poucos e via de regra só se dão bem aqueles que têm um perfil psicológico adequado à profissão e contam com bons mentores.

Além disso, por exemplo, se você pesquisar animais, caso não aprenda o ofício com um orientador experiente no táxon, não receberá o treinamento prático necessário. Isso resultará nos seguintes problemas.

Primeiro, você não terá um rendimento adequado no campo ou no laboratório, provavelmente fazendo muito mais esforço (tempo e dinheiro) do que seria necessário, ou até mesmo não obtendo dados suficientes ou adequados para responder suas perguntas. 

Segundo, você acabará submetendo os animais a um estresse desnecessário, porque não vai manipulá-los da maneira correta.

Terceiro, você não saberá identificar os animais corretamente, pois isso é muito mais difícil do que parece e demanda boa experiência com o táxon.

Quarto, se tiver que coletar animais para fazer uma coleção-testemunho, provavelmente não os fixará da maneira adequada, e o material acabará se deteriorando muito rápido.

Quinto, se for lidar com animais que transmitem doenças, acabará fazendo os procedimentos de segurança da forma errada, pondo sua vida em risco (por exemplo, ao trabalhar com morcegos-vampiros infectados com a raiva).

Fora esses problemas, você tampouco terá acesso os contatos importantes que um bom orientador pode fornecer e, provavelmente, terá mais dificuldade para construir um bom networking, que te ajude a se desenvolver como cientista. Colegas nos abrem muitas portas e nos ensinam muito.

Então como você pode encontrar um bom orientador?

Converse com colegas mais experientes e que tenham sua competência reconhecida pela comunidade científica. Pergunte a eles quem entende do que e onde trabalha.  Fora isso, freqüente eventos científicos e procure conhecer seus pares.

Faça também pesquisas na Plataforma Lattes do CNPq e nas redes sociais nerd, como ResearchGate, Google Scholar, ResearcherID, LinkedIn, Mendeley e Academia. Nessas plataformas você pode usar palavras-chave relacionadas aos assuntos que lhe interessam, de modo a descobrir quem trabalha com qual assunto, com qual táxon, em qual instituição e em qual cidade. Tenha em mente que é preciso avaliar dois lados do potencial orientador: o lado cientista e o lado formador de cientistas.

Com relação ao lado cientista do potencial orientador, o melhor mesmo é ler os trabalhos dele e ver o que  tem estudado, o que tem descoberto e que tipo de linha segue. Além disso, averigue também como exatamente as pessoas citam os trabalhos dele: usando como ponto de partida para os seus próprios trabalhos, elogiando, criticando ou apenas listando. Por fim, descubra que tipo de reputação ele tem entre os pares.

Caso você não tenha acesso a tantas informações, você pode avaliar o potencial orientador de duas formas indiretas, usando as redes sociais já mencionadas, além dos buscadores científicos Google Scholar, Web of Science e Scopus. Primeiro, veja se o potencial orientador tem publicado artigos sobre o tema que lhe interessa e em quais revistas. Segundo, veja quantas citações os artigos desse cientista têm recebido.

O lado formador de cientistas é bem mais difícil de ser avaliado. Você deve procurar um profissional que dedique atenção à formação acadêmica dos alunos, que dê autonomia para eles pensarem sozinhos e que fique feliz com o sucesso deles. Fuja daqueles que apenas botam alunos para fazer trabalho braçal, que orientam dezenas de pessoas ao mesmo tempo e só vêem cada uma delas uma vez por ano, ou que vivem podando os alunos mais brilhantes. Evite a todo custo aqueles que se levam a sério demais e se colocam num pedestal, pois geralmente eles não são tão bons quanto dizem, e a sua vaidade envenena todos ao redor.

Um bom indicativo da qualidade de um formador de cientistas é a realização de reuniões periódicas com cada orientado, além de atividades coletivas, como reuniões do grupo de trabalho para discussões de artigos, apresentação de seminários e debates sobre projetos. Se possível, converse também com ex-orientados, a fim de sondar a qualidade do potencial orientador. Alunos que ainda estão em seu grupo não são fontes totalmente confiáveis, pois caso o profissional esteja do Lado Escuro da Força, eles temem represálias.

Tome uma decisão

Para terminar, pense que aprender a fazer ciência é mais importante do que mexer com o táxon que você acha fofo. Na falta de um bom orientador disponível que trabalhe com o táxon e o tema do seu interesse, é melhor sacrificar uma coisa ou outra, ou até mesmo as duas, e se concentrar em aprender os fundamentos da ciência com um pesquisador competente. Depois de dominar o feijão-com-arroz do método científico, você pode até voltar a buscar seus interesses específicos originais.

Sugestões de leitura

1. The 16 types of graduate supervisor – by JRR Tolkien
2. The five mentors every student needs
3. Peers, mentors, role models, and heroes in science
4. Warts and all (sobre role models para mulheres na Academia)

* Publicado originalmente em 2007 e atualizado constantemente.

Assista um ótimo video sobre o assunto:

Fonte: PhD Comics.