Cinco pontos que você deveria considerar antes de decidir sair do país

A crise está apertando no Brasil e o brain drain voltou com força. Só que emigrar de verdade é bem mais difícil do que passar um tempo fora. Bom, se você quiser mesmo ir embora, reflita com calma.

A maioria dos cientistas adora viajar, pois em geral quem opta por essa profissão tem espírito de aventura. Na verdade, conhecer o mundo a trabalho é um dos grandes bônus da vida acadêmica.

Contudo, emigrar de vez é algo bem mais complicado do que visitar outro país para um congresso. Ou passar um tempo no exterior fazendo postdoc ou sabático. Quando digo emigrar, estou falando de conseguir cargos estáveis ou permanentes em outro país. Por exemplo, como professor ou pesquisador. Portanto, o público-alvo deste texto são cientistas profissionais que já conquistaram a faixa preta.

“Quem sai da terra natal em outro canto não pára”

Luiz Gonzaga

Entre esse público, a emigração está em alta nas conversas de corredor Meet e Zoom. Na verdade, esse papo de “ir embora” segue os ciclos de alternância entre crise e bonança. Infelizmente, desde 2013 enfrentamos uma crise severa que se reflete no fomento à ciência, sendo que mais recentemente ela se transformou em uma verdadeira guerra contra a ciência. Some-se a isso o caos da pandemia à brasileira e muitos voltaram sua atenção para fora.

Entendo perfeitamente quem está com vontade de mudar para um lugar mais civilizado, buscando melhores condições de vida e de carreira. Eu mesmo passei vários anos na Europa, estudando e trabalhando como cientista. Por isso mesmo sou um grande entusiasta dos intercâmbios acadêmicos e das iniciativas de colaboração internacional.

Bom, se emigrar é o seu objetivo, lute por ele! Contudo, antes de entrar no ringue, prepare-se. Elabore um plano de luta cuidadoso, mas flexível, considerando vários rounds. Comece refletindo sobre potenciais complicações. É nisso que quero te ajudar.

Mas atenção! Os meus conselhos têm um viés para a realidade da Europa, que eu conheço melhor. Mesmo assim, muitos deles se aplicam também a outros países centrais na geopolítica, que são líderes da ciência mundial em outros continentes. Meus conselhos também são focados em empregos acadêmicos. Assim, se o seu interesse for outro tipo de emprego na ciência, por exemplo como documentarista ou data scientist, peça conselhos a quem conhece esses caminhos.

Além disso, toda meta complexa pode ser alcançada por mais de uma via. Portanto, ouça os meus conselhos, mas mantenha a sua mente aberta.

Bom, vamos aos pontos para reflexão.

1. Emigre pelas razões certas

Naturalmente, cada um tem as suas próprias motivações. A decisão de deixar a terra natal é muito pessoal. Contudo, evite decisões claramente mal pensadas. Não busque a sua paz em outro canto do mundo, porque, no fundo, ela está dentro de você.

“Assim, mesmo estando dentro da água, gritamos, desesperados de sede”

Hakuin Ekaku

Por exemplo, um erro comum é querer fugir do seu país só porque o seu político favorito não venceu as eleições. Entretanto, presidentes vêm e vão, e a construção da sua carreira funciona em uma escala de tempo bem maior do que quatro anos. Pense nos ciclos comentados anteriormente, que aqui no Brasil costumam durar uns 10 anos.

A exceção é quando o seu país degringola para uma guerra civil ou algum tipo de regime autoritário de esquerda ou de direita. Ditadores adoram perseguir cientistas e intelectuais em geral. Se for esse o caso, corra para as montanhas!

Também é muito comum acadêmicos falarem que vão largar tudo e ir embora, depois de passarem por grandes decepções na carreira. Infelizmente, ir para fora não é uma questão de querer, mas de poder. Quem acha que basta ir e pronto nunca parou para avaliar o próprio currículo contra a realidade do mercado de trabalho acadêmico internacional.

Por falar em mercado de trabalho, outro erro clássico é querer ir para fora, porque a competição no Brasil é brutal e injusta. Não se engane: a academia é um moedor de carne em qualquer lugar do mundo. E nos países líderes você competirá em nível internacional. Ou seja, não apenas contra outros brasileiros, mas contra colegas do mundo todo. Você tem disposição para isso?

Assim, é melhor ter motivações maduras e orientadas por metas de longo prazo. Como, por exemplo, desvendar os segredos da ciência de ponta ou desenvolver todo o seu potencial.

2. Prepare-se para trabalhar duro

Já adiantei essa questão no ponto anterior. A competição nos países líderes é brutal, então prepare-se para trabalhar o dobro ou o triplo do seu habitual.

“Eu sei o preço do sucesso: dedicação, trabalho duro, e uma incessante devoção às coisas que você quer ver acontecer.”

Frank Lloyd Wright

Estou falando sério. Competir por empregos estáveis ou permanentes com colegas de toda parte, que querem trabalhar no mesmo centro de excelência que você, é uma tarefa hercúlea. Se você já está quase entrando em burnout aqui no Brasil, é grande a chance de ser incinerado pelas altas temperaturas acadêmicas em um hub internacional.

Também é crucial caprichar no projeto com o qual você competirá por oportunidades. Estude a fundo as regras do jogo e preste muita atenção aos detalhes. Escreva um projeto perfeitamente dentro do escopo do patrocinador, sem erros de gramática, com formatação impecável e amigável à leitura, citações precisas e referências padronizadas, além de absoluta coerência lógica e conceitual.

Você também precisa receber feedback constante do seu futuro PI, caso esteja se candidatando a um cargo júnior. Aliás, a hierarquia acadêmica e o sistema universitário mudam muito entre países, então estude isso também. Bom, prepare-se para vários rounds de revisão, sempre com a mente aberta a críticas. Nada de preguiça ou arrogância!

Já se o seu alvo for um cargo sênior em que você mesmo será o PI, peça conselhos a colegas sêniores que já conquistaram objetivos similares. Eles provavelmente te contarão as insider infos, que não aparecem nos editais e podem te dar uma boa vantagem. Você descobrirá que, em nível internacional, é vital demonstrar originalidade e ousadia. Então nada de escrever um projeto seguro e morno. Pense fora da caixinha.

A esse investimento enorme some mais esforço ainda. Muitos países líderes protegem seus empregos públicos e os reservam legalmente para os nativos. Portanto, para vencer um concurso em terras alheias, você precisará no mínimo ser duas vezes melhor do que o segundo colocado. E a banca ainda precisará justificar a escolha dela através de muita papelada.

Tendo tudo isso em mente, o quanto você aceita sacrificar pela carreira? A ciência é mesmo o seu ikigai? Um nível altíssimo de sacrifício não é trivial para ninguém, mas é especialmente cruel para quem tem cônjuge e filhos, ou para quem pertence a minorias.

3. Escolha o seu alvo com cuidado

Não adianta ir para fora de qualquer jeito. A menos que você seja um refugiado político ou ambiental, desesperado por sobreviver, pense cuidadosamente sobre para onde deseja ir, quando, como e por que.

“Vasculhe os seus sentimentos”

Mestre Yoda

Primeiro, porque a ciência é bem heterogênea entre os países lideres e mesmo dentro deles. Nem toda universidade de um país líder é excelente. Nem todo grupo de pesquisa dentro de uma universidade de elite é excelente. E mesmo um grupo excelente pode ter um PI com o qual o seu santo não bate. Faça o seu dever de casa e, se puder, experimente o país, a universidade ou o grupo antes de emigrar. Por exemplo, fazendo sandwich, postdoc, sabático ou visitas técnicas longas.

Segundo, porque a vida pessoal importa. Pondere fatores relacionados à probabilidade de você e a sua família se adaptarem à nova cultura. A vida não é feita só de trabalho e você perde produtividade e saúde, quando a sua vida pessoal não vai bem. Imagine então quão frágil pode ficar o seu equilíbrio emocional do outro lado do mundo, longe da sua rede de apoio e tendo que lutar por aceitação dentro e fora universidade?

4. Construa um bom networking

Sabe a conversa que tem se tornado cada vez mais comum sobre a meritocracia ser um mito? Sim, ela é mesmo. E isso vale também para o mundo desenvolvido.

“Nenhum homem é uma ilha isolada”

John Donne

Em uma competição brutal em nível mundial, você como estrangeiro já larga atrás por várias razões. Principalmente por causa de leis nacionalistas, preconceito racial, barreiras de idioma, barreiras culturais e gap educacional. Essas são desvantagens que se observam entre grupos sociais em várias escalas, desde entre bairros de uma mesma cidade, ou regiões de um mesmo país, até entre países centrais e periféricos. Ninguém está nem aí para você e vão te exigir um rendimento maior do que o de concorrentes que cresceram cheios de privilégios.

O ponto é que você precisa de boas cartas na manga para diminuir essa desvantagem. Na Europa, estamos falando de cartas de recomendação. Elas, assim como os testemunhos informais (leia-se fofoca acadêmica), têm um peso gigante. Sabe aquela história de “QI”? Lá fora isso é uma instituição formal. Portanto, não caia de pára-quedas no país-alvo. Construa relações com os nativos antes de ir, aos poucos, publicando junto com eles, participando dos mesmos eventos e trocando figurinhas nas redes sociais. Faça-se conhecer.

E, se possível, tenha uma madrinha ou um padrinho nativos. Em outras palavras, conquiste a confiança de alguma autoridade local que conheça o sistema a fundo, testemunhe por você e abra portas. A menos que você seja um verdadeiro outlier, dois desvios-padrão acima da média da sua geração, uma palavra poderosa em seu favor é crucial. No mínimo, um testemunho empolgante pode suavizar o efeito de algumas desigualdades estruturais.

5. Aprenda a apanhar e seguir em frente

Tomar cuidado com os quatro pontos anteriores não impedirá que você apanhe muito até conquistar o seu sonho. Portanto, lembre-se das nobres palavras do filósofo estóico Balboa:

“Não é sobre quão duro você bate. É sobre o quanto você consegue apanhar e seguir em frente e continuar tentando. É assim que se vence!”

Rocky Balboa

Sabe aqueles 10 concursos para professor que você já prestou aqui no Brasil e não deram em nada? Então… Prepare-se para prestar no mínimo uns 30 lá fora. Não estou brincando, pois conheço colegas nativos e imigrantes que já estão na 50ª application, alguns deles excelentes e com menos de 10 anos desde a defesa do doutorado. A fase do estabelecimento na Jornada do Cientista não é mole nem para os nativos, que dirá para os imigrantes.

O lado bom é que os modelos de concurso nos países líderes são bem mais sensatos. Como quase sempre há um sistema de short list, 99% dos candidatos são filtrados à distância com base nas statements e nos currículos. Não rola aquela insanidade de todo mundo comparecer à instituição contratante, gastando dinheiro com transporte e hospedagem, e ainda fazendo provinhas a la vestibular.

Mesmo assim, receber dezenas de negativas, algumas delas silenciosas, sem nem ao menos um e-mail de condolências, desanima qualquer pessoa. Se você não tiver muita estabilidade emocional, esse processo pode destruir a sua autoconfiança ou até mesmo a sua saúde mental. Demora até você conseguir passar para a Fase 2 (entrevistas) pela primeira vez, então aguente o tranco.

Conselho final

Se você tem um sonho, deve ser o primeiro a lutar por ele. Mas sonhos não se realizam sozinhos. Muito pelo contrário, eles são conquistados através de planos cuidadosamente elaborados, realistas e flexíveis. Além, é claro, da ajuda de mentores e colegas, e de uma boa dose de sorte. Portanto, mantenha a sua mente aberta e aproveite as oportunidades que surgirem pelo caminho. E nunca se esqueça de demonstrar gratidão.

De qualquer forma, pense que conquistar um emprego em um país líder da ciência mundial é dificílimo, mas não impossível. Tanto que tem gente que consegue. E tenha em mente que passar um tempo no exterior é bem mais fácil do que ficar lá fora de vez. Portanto, não despreze oportunidades temporárias de postdoc ou sabático. Na verdade, elas são a semente de uma futura oportunidade de emigração. Veja conselhos sobre intercâmbio neste outro post.

Por fim, mesmo que o seu plano de se estabelecer lá fora não dê certo, o esforço de encarar essa luta por alguns anos compensa. Você se desenvolverá muito além do que poderia, caso permanecesse a vida toda na sua zona de conforto.

(Fonte da imagem destacada)

13 respostas para “Cinco pontos que você deveria considerar antes de decidir sair do país”

  1. Texto muito interessante, Marco. Seria legal fazer um post sobre os “porquês” ou pontos positivos de fazer ciência no Brasil. Acabei de concluir o meu Doutorado e sinto que infelizmente nós ainda somos “reféns” da ciência internacional (Européia e Norte-Americana). Nossas questões são norteadas por paradigmas Europeus e Norte-americanos, sendo que temos nossos “problemas” e questões bem particulares, mas que ao mesmo tempo não são necessariamente locais ou exclusivos. Acho que deveríamos valorizar mais nossas produções e inclusive buscar um modo próprio de construção do conhecimento científico. Temos cientistas incríveis por aqui, e que são perfeitamente capazes de contribuir para essa “descolonização” da ciência.

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    1. Oi, Mayara! Concordo contigo e gostei da sugestão de post. Quem sabe o Pavel não escreve como convidado? Na minha opinião, a nossa ciência ainda está engatinhando, então precisamos fazer intercâmbio de mão dupla para nos mantermos oxigenados, crescendo de forma sustentável. A endogamia e as bolhas acadêmicas ainda são uma praga por aqui. Na verdade, os países líderes na ciência, não à toa, são os que mais investem em intercâmbio de todos os tipos. Mas, por outro lado, enquanto aprendemos o modo de fazer ciência, não podemos deixar de criar uma identidade própria. Ou seja, precisamos aprender os métodos com a comunidade internacional, mas isso não impede que definamos nossos próprios problemas de interesse ou construamos nossas próprias teorias.

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  2. Bem legal este post! E não podia deixar de colocar uma contribuição, como imigrante e filho de imigrante que veio para o Brasil fazer ciência.
    Sim! Tem pessoas que imigram para o Brasil, inclusive atualmente; no meu caso, imigramos em 1996, quando meu pai veio trabalhar como professor visitante na UFSCar. (Ele trabalhava antes no Instituto de Física de Moscou, ou algo assim; tem uma entrevista bem longa com ele aqui: https://www.youtube.com/watch?v=hNWiJjxXNUI )
    E nos primeiros anos era uma incerteza eterna, se ficaríamos no Brasil ou teríamos que voltar pra Rússia, porque o contrato podia durar no máximo cinco anos… Basicamente conseguimos ficar em grande parte porque ele passou em concurso na UnB.
    Então uma outra coisa a se considerar é: você está disposto a enfrentar essa incerteza de não saber se vai ter emprego em outro país? E caso você tenha família, a sua família está disposta? O custo-benefício compensa? No caso da escolha entre Brasil e Rússia pós-perestroika o custo-benefício compensava obviamente. Na comparação do Brasil de Bolsonaro contra outro países, eu pessoalmente teria minhas dúvidas…
    Acho que aonde quero chegar com isso é que, tipo, temos aqui o hábito de achar que “lá fora” tudo é melhor, mais fácil, lindo e maravilhoso, e seu post mostra bem que não é!, e eu quero adicionar que, a despeito de tudo, eu ainda acho que aqui as condições são melhores do que em muitos outros lugares.

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    1. Excelente contribuição como sempre, Pavel! Também conheço a vida de imigrante, mas no papel do pai acadêmico, não do filho, rs. A gente tem que pesar muita coisa na balança. E precisa ouvir o cônjuge e os filhos o tempo todo, porque é o bem-estar da família inteira que está em jogo.

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