O que é uma pós-graduação?

O primeiro passo para ter uma profissão de nível superior é formar-se em um curso de graduação, seja de bacharelado ou licenciatura. Mas será que na Biologia e outras ciências naturais um recém-formado está realmente apto a exercer a profissão?


Depende do caminho que a pessoa quer seguir. A pesquisa não é a única alternativa possível, pois um bacharel pode seguir também para o ensino, popularização da ciência, gestão ambiental ou análise laboratorial, dentre muitas outras vias.

O ponto é que, se a pessoa quiser se tornar cientista profissional e trabalhar com pesquisa, só uma graduação não basta. É fundamental trilhar a jornada completa, até o doutorado. Outras carreiras também exigem formação extra. Portanto, é fundamental para grande parte dos aspiras fazer um bom curso de pós-graduação.

Aqui explico um pouco sobre os objetivos da pós-graduação, suas modalidades e suas vantagens e desvantagens. Falo mais sobre a realidade do Brasil, porém algumas coisas valem também para outros países.

Por que fazer uma pós-graduação?

Simples: para adquirir mais habilidade prática e conhecimento especializado sobre uma área de interesse, de modo a se tornar realmente capaz de exercer a profissão. A graduação, tal como é estruturada hoje nas ciências naturais, oferece apenas uma panorama geral de cada área, sem formar um profissional liberal realmente pronto para o mercado.

Contudo, em algumas carreiras, como a de professor dos ensinos fundamental e médio, até é possível sair direto da graduação para o trabalho. Em outras, como a de consultor ambiental, uma especialização ou mestrado são recomendados. Já na carreira de cientista a vida como profissional independente só começa de verdade depois do doutorado. 

De um modo geral, uma boa pós-graduação te permite adquirir uma especialidade, o que conseqüentemente aumenta a sua eficiência e empregabilidade.

O que significa pós-graduação lato sensu e stricto sensu?

No Brasil e também em outros países, há dois tipos básicos de pós-graduação: lato sensu e stricto sensu.

Na categoria lato está a especialização, que grosso modo engloba os cursos rápidos feitos após a graduação (de seis meses a um ano), com o objetivo de escolher um foco para a carreira ou aprender uma habilidade específica. Por exemplo, quem está mais voltado para o ensino pode fazer uma especialização em educação à distância, quem segue o caminho da consultoria pode fazer uma especialização em gestão ambiental, e assim por diante. Esses cursos costumam exigir, além da aprovação em disciplinas, apenas uma monografia como trabalho de conclusão. Sua carga horária é bem menor e muitas vezes só envolve aulas presenciais aos sábados.

Na categoria stricto estão os cursos acadêmicos: o mestrado e o doutorado. O mestrado, que dura em média dois anos, antigamente servia para formar professores do ensino superior, mas hoje em dia funciona como um degrau antes do doutorado. Na verdade, hoje há dois tipos de mestrado stricto sensu: os acadêmicos, voltados à formação de cientistas, e mestrados profissionais, que têm escopo parecido com o de uma pós-graduação lato sensu, só que oferencendo bem mais conteúdo.

O doutorado, que costuma durar pelo menos quatro anos, visa a formação de cientistas profissionais. Há também o doutorado direto, em que um aluno começa como mestrando, mas depois é promovido a doutorando e termina a pós-graduação toda em quatro anos, ao invés de seis, saindo com o título de doutor, mas sem o de mestre.

Via de regra, faz uma pós-graduação lato sensu quem quer entrar logo no mercado ou melhorar sua posição dentro da carreira ou seu cargo dentro da empresa. Faz o stricto sensu quem almeja se tornar cientista profissional, seja na academia ou fora dela.

Qual é a diferença entre mestrado e doutorado?

Para os aspiras que desejam seguir uma carreira acadêmica, ou mesmo trabalhar como cientistas fora da academia, é crucial fazer um mestrado e depois um doutorado.

Na estrutura que têm hoje, esses cursos representam uma formação extra de seis anos no mínimo, que tem por objetivo ensinar as bases da pesquisa científica. Isso inclui algumas habilidades-chave, como por exemplo pensamento analítico-criativo, pesquisa bibliográfica, elaboração e execução de projetos, curadoria de dados, análise de dados, comunicação científica e trabalho colaborativo.

A diferença prática entre mestrado e doutorado, hoje em dia, é que o mestrado é bem menos aprofundado e acaba servindo apenas como uma preparação para o doutorado. O trabalho de conclusão de um mestrado costuma ser uma dissertação, que não necessariamente precisa ser original. Já no doutorado o produto final tem necessariamente que ser uma tese original.

Muitos argumentam que o mestrado e o doutorado são apenas uma exigência burocrática e que um cientista de verdade pode se formar sozinho. Isso é uma grande besteira dita por gente arrogante, pois não estamos mais no século XIX, tempo em que a ciência era mais um hobby e menos uma profissão. Se você quiser se tornar cientista profissional nos dias de hoje, terá que baixar a bola e seguir o caminho das pedras.

Como escolho um curso adequado para mim?

O primeiro passo é decidir se os seus objetivos profissionais exigem cursar uma pós-graduação lato sensu ou stricto sensu. Depois de decidido isso, você precisa escolher um bom PPG.

Dependendo da área de foco, pode ser que os melhores PPGs sejam públicos ou particulares. Converse com seus colegas para descobrir como é a reputação de cada curso, visite os respectivos sites para obter mais informações, veja a avaliação dos cursos feita regularmente pela CAPES e, por fim, entre em contato com os coordenadores e professores para tirar dúvidas específicas.

No caso da pós-graduação stricto sensu, muitas vezes um passo fundamental é escolher o orientador antes mesmo de escolher o PPG. Para quem deseja ser cientista, encontrar um bom orientador é muito mais importante para desenvolver o seu potencial do que fazer as disciplinas da grade curricular.

Como funciona a seleção da pós-graduação?

Cada curso em cada universidade tem as suas próprias regras, então consulte-as. De qualquer forma, algumas coisas valem para todos.

No caso dos cursos de doutorado, é bem provável que você precise primeiro do aceite de um orientador, para só então concorrer a uma vaga. Depois, em geral, é preciso passar por um processo de seleção. No caso dos cursos de mestrado, hoje é mais comum você primeiro passar por uma seleção geral, para só depois escolher um orientador. Nessas seleções de mestrado e doutorado, via de regra a avaliação é baseada em currículo, prova, entrevista e diferentes combinações dessas coisas.

Os melhores PPGs costumam ser bem concorridos, às vezes rejeitando a grande maioria dos candidatos. Depois de descobrir o que você tem que fazer, comece a estudar para a seleção com uma boa antecedência. A maioria dos PPGs públicos faz o processo seletivo entre outubro e dezembro, mas alguns também têm seleção de meio de ano.

Como eu me sustento durante a pós-graduação?

Os melhores alunos de cursos acadêmicos públicos costumam contar com bolsas de mestrado e doutorado, que bastam para se sustentar, especialmente se você morar no interior e não tiver cônjuge e filhos.

Muitos alunos, no entanto, acabam ficando sem bolsa, e têm que arrumar um trabalho paralelo que pague as contas. Isso é bem complicado, porque mestrados e doutorados são cursos que exigem muito do aluno, então o melhor é dedicar-se exclusivamente a eles, a fim de ter um rendimento satisfatório.

A quantidade de bolsas que um curso oferece aos alunos depende da sua avaliação no sistema da CAPES. Mas os melhores alunos têm a possibilidade de conseguirem bolsas de outras agências, como o CNPq e as FAPs estaduais (e.g., Fapesp), ou mesmo de empresas e ONGs.

Apesar de muitos dizerem que a situação dos pós-graduandos no Brasil não é boa, isso não é completamente verdade. Primeiro, porque as bolsas são comparativamente boas, se comparadas à dura realidade salarial e socioeconômica brasileira. Segundo, porque até nos países centrais bolsas são raras e a maioria dos alunos tem que se sustentar com empregos paralelos.

Os alunos de cursos de especialização particulares (lato sensu, especialmente MBA) vivem uma situação muito mais complicada, porque, além de não receberem bolsa, ainda têm que pagar mensalidades caras. O máximo que os pós-graduandos da rede particular conseguem é um desconto na mensalidade (ironicamente também chamado de “bolsa”).

A pós-graduação pode realmente fazer diferença na minha carreira?

Depende da qualidade do curso, da qualidade do orientador e da sua qualidade. Ou seja, da sua vocação e do quanto você investe em si mesmo. Quando essas coisas atingem níveis bons, o resultado costuma ser bom e você cresce como profissional. Mas o que conta mais é a sua iniciativa.

Você precisa estudar muito por conta própria e correr atrás de muitos outros conhecimentos além dos oferecidos nas disciplinas. Além disso, a interação com os colegas de curso é fundamental, pois pode te dar acesso a várias habilidades e conhecimentos adicionais, além de ajudar a construir um bom networking.

De qualquer forma, prepare-se: mesmo quando o resultado final é bom, a grande maioria dos alunos sai exausta da pós-graduação e muitos saem até traumatizados. Essa não é uma caminhada fácil e muitas vezes as coisas não são feitas como deveriam, tanto por parte dos orientadores, quanto dos alunos ou do PPG.

O doutorado é o fim da estrada?

Não, ele é apenas o começo da carreira como cientista independente. Fazendo uma analogia com as artes marciais japonesas, formar-se mestre é como conquistar a faixa marrom e o título de doutor equivale à faixa preta.

Depois do doutorado, você ainda tem vários dans pela frente. Um dia, se tiver talento e trabalhar duro, pode chegar à faixa vermelha. Um cientista passa a vida toda estudando e praticando, então precisa manter a mente de principiante.

Recomendações finais

Pense com cuidado se uma pós-graduação realmente pode te ajudar a alcançar seus objetivos profissionais. Depois, escolha um curso que te motive enormemente. Por fim, trabalhe duro. Só assim você conseguirá sobreviver a essa jornada e colher bons frutos. Não se esqueça de ouvir os conselhos de quem tem mais experiência.

Leituras recomendadas

  1. Mestrado, doutorado, especialização ou MBA? Saiba o que é cada curso e faça a sua escolha
  2. A crise de identidade da pós-graduação
  3. The illustrated guide to a PhD
  4. 3 qualities of successful Ph.D. students
  5. 3 reclamações comuns na pós-graduação
  6. 12 guidelines for surviving science
  7. 20 Coisas que doutorandos deveriam recusar-se a fazer por sucesso

* Publicado originalmente em 2011 e atualizado constantemente.

Veja a opinião do Prof. Pondé sobre a pós-graduação:

Ouça também as sábias palavras do Prof. Karnal:

Recomendo ainda este excelente podcast com dicas sobre essa fase crucial da carreira:

(Fonte da imagem em destaque)

22 respostas para “O que é uma pós-graduação?”

  1. Marco, quando e por que valeria a pena fazer o Doutorado Direto? A falta do título de Mestre pode ser desvantajosa em um concurso para professor?

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    1. Oi Flora! Eu sou contra o DD para pessoas que pretendem se tornar cientistas profissionais, porque acho que pressa não combina com ciência. Por mais brilhante ou precoce que o aluno seja, demorar um pouco na pós dá tempo para algum amadurecimento através da experiência. Quanto aos concursos para professor universitário, há aqueles em que a nota do currículo atribui pontos para cada título, mas esses são a minoria dentre as boas universidades. Nos outros tipos de concurso não sei o quanto o título de mestre conta.

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      1. Entendi Marco! e se o projeto de mestrado for grande demais para caber em dois anos? você acha que a melhor saída seria iniciar outro projeto?

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        1. Com certeza! Se você e o seu orientador tiverem boas razões para supor que o projeto só seria concluído de forma satisfatória em mais de dois anos, façam ajustes na idéia central ou então mudem de projeto.

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  2. Por que a alta especialização nas profissões é tão valorizada no Brasil? Isso não contribui de algum modo para a inacessibilidade dos pesquisadores/cientistas/professores universitários? Muitos não aceitam trabalhar com outros profissionais por não admitirem/aceitarem que podem não saber algo. Se são especialistas, por que não aceitam que sabem demais sobre poucas coisas?

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    1. Danielle, o Brasil não planeja direito seu sistema educacional e nem seu mercado de trabalho, e o resultado é esse caos em que vivemos: escassez de mão de obra bem treinada em áreas críticas e uma multidão de doutores desempregados ou empregados fora da sua especialidade. Um país bem organizado precisa da seguinte pirâmide de trabalho, com esses níveis: (1) praticamente todo mundo com o segundo grau completo e bem feito, de preferência obtido em escolas públicas e gratuitas, independente da carreira, nível econômico ou mesmo de trabalhar ou não; (2) uma grande massa formada por técnicos bem treinados, atuando em vários setores; (3) um terceiro grupo, bem menos numeroso do que o segundo, com diploma de graduação, trabalhando em empregos de alto nível; (4) um quarto grupo de trabalhadores com pós-graduação, com ainda menos gente do que o grupo 3, trabalhando em empregos intelectuais e acadêmicos. Fazer universidade e trabalhar em empregos intelectuais é vocação de uma minoria; fazer doutorado então, é vocação de menos de 1% da população. Mas a desvalorização progressiva das carreiras técnicas no Brasil fez com que todo mundo corresse atrás de diplomas universitários, não importando se legítimos ou comprados. A grande maioria dos bacharéis e licenciados no país não sabe sequer escrever direito. Em países da Europa Ocidental, por exemplo, pessoas no nível 2, quando se tornam mestres de ofício, às vezes ganham até mais do que outras dos níveis 3 e 4 em alguns casos; e quase todos tem uma vida confortável.

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