O que é um pós-doutorado?

O pós-doutorado, também chamado no Brasil de pós-doutoramento e mundialmente conhecido como postdoc ou post-doc, tem múltiplas faces.

O que é exigido e o que você tem a ganhar são coisas que dependem principalmente do país em que você está e de quem paga a sua bolsa ou salário. Contudo, algumas características valem em toda parte.

 Características gerais:

  1. O postdoc não é um curso e não dá um título, apesar do que muitos pensam. Outros ainda o confundem com o título de Ph.D., que na verdade é a mesma coisa que o D.Sc. brasileiro ou o Dr.rer.nat. alemão. Na verdade, todos eles são títulos de doutor equivalentes.
  2. É feito tipicamente por recém-doutores (i.e., com menos de 5 anos desde a defesa da tese). Quando um professor pede licença por alguns meses ou mais de um ano para deixar a universidade dele e desenvolver um projeto de pesquisa, ensino ou extensão em outra instituição, ele está fazendo um sabático, não um postdoc. Contudo, parece que o nome dessas coisas está oficialmente mudando com o tempo, pois algumas agências agora falam em postdoc junior e postdoc sênior.
  3. Não exige cursar disciplinas.
  4. Não exige defender uma tese.
  5. Seu foco costuma ser a pesquisa, visando resolver algum problema científico avançado. No caso da pesquisa básica, costuma resultar em descobertas e publicações mais amadurecidas. No caso da pesquisa aplicada, os produtos costumam ser novas tecnologias de ponta ou serviços sofisticados.
  6. Na maioria dos casos, o ensino e a extensão ficam em segundo plano. Uma das raras exceções são as bolsas PNPD da Capes, que também exigem atividades de ensino.
  7. Geralmente inclui orientação de alunos, mas não obrigatoriamente.
  8. A administração acadêmica costuma nem ser cogitada, pois um postdoc ainda não faz parte das engrenagens burocráticas e não tem o mesmo poder político que um professor dentro da universidade. De qualquer forma, todos, sejam juniores ou seniores, tentam aproveitar essa fase para focarem em amadurecer suas habilidades de pesquisa.
  9. Exige muita disciplina e planejamento para conciliar o projeto pelo qual você foi contratado com a busca pelo próximo projeto ou por um emprego estável (veja o comentário no final deste texto).
  10. Em quase toda parte, o postdoc é uma fase da carreira sensacional, na qual você tem mais liberdade e muito mais experiência do que no doutorado. No doutorado você cria a sua identidade como cientista, que depois você consolida no postdoc.

Coisas que mudam entre países:

  1. Na Europa e na América do Norte, o postdoc é considerado um pesquisador associado. O postdoc pode ser tanto bolsista de alguma fundação, quanto ter a carteira assinada pela universidade, uma agência de fomento ou um grande projeto.
  2. Nesses lugares, o postdoc é encarado como uma fase necessária para o amadurecimento do doutor já independente, que sempre sai cru do doutorado em qualquer lugar do mundo. Antes de dois ou mais postdocs em diferentes instituições, nem pensar em se candidatar a um emprego estável como professor ou pesquisador.
  3. Em outros lugares, incluindo o Brasil e a maioria dos países latinos, o postdoc raramente é visto como um cientista independente, sendo muitas vezes tratado como um aluno. Ou pior, agindo como tal.
  4. O poder aquisitivo da bolsa ou salário de postdoc varia muito entre países e mesmo entre cidades de um mesmo país, dependendo também da agência que te paga. Por exemplo, as bolsas de postdoc da Fapesp são bem mais gordas do que as do CNPq. Entretanto, o quanto a bolsa rende na prática varia muito em função de você morar numa capital ou no interior. Tampouco podemos nos esquecer de que, em um país surrealmente desigual como o Brasil, não dá para reclamar nem das bolsas mais magras.
  5. Há ainda a questão da duração. No Brasil, um postdoc clássico dura no máximo 2 anos na maioria das agências de fomento (FAPs, Capes, CNPq etc.). Contudo, pode-se fazer mais de um postdoc, desde que por agências diferentes, muitas vezes em instituições diferentes. Há exceções, como alguns programas antigos (JP da Fapesp) e novos (PNPD da CAPES), que têm perfil de postdoc e duram de 4 a 6 anos. A FAPESP acaba ainda de lançar um novo programa, o Geração, tão generoso quanto o tradicional JP e focado em incentivar a crème de la crème acadêmica.
  6. Em outros países, a variação na duração também é grande. Na Alemanha, por exemplo, um contrato típico de postdoc geralmente dura 2 anos, como no caso dos maravilhosos programas da Fundação Humboldt. Contudo, alguns contratos podem se estender por até 6 anos, como no caso de alguns sensacionais programas da DFG da Alemanha.
  7. Nos países geopoliticamente centrais, Independentemente da duração de cada projeto, a regra é fazer mais de um postdoc em locais diferentes, passando uns 10 anos nesse treadmill, até conseguir um emprego estável ou vitalício.

Postdoc é isso aí

No geral, um postdoc é isso: uma espécie de sous-chef acadêmico.

Em instituições sérias, você receberá um treinamento avançado, no calor da batalha, lado a lado com o grande chefe do laboratório. É uma oportunidade incrível de atingir um patamar muito maior de maturidade, antes de se fixar num emprego estável.

Recomendo fortemente a experiência para todos que desejam se tornar cientistas profissionais. Ninguém sai pronto do doutorado, nem os outliers. Logo, passar um tempo em um grupo de excelência, sob a supervisão de um cientista com renome mundial, sem ter a obrigação de fazer uma tese ou cursar disciplinas, pode ser a oportunidade de dar aquele salto de qualidade que você tanto queria. Fora que, estando em um grupo de excelência, você terá contato direto com algumas das mentes mais brilhantes do mundo na sua área, além de ficar sabendo de novidades e tendências em primeira mão.

Acredite: depois que você cair em um emprego estável, sobrecarregado de funções que não têm nada a ver com pesquisa, desenvolver-se como cientista será muito mais difícil. Muitos recém-doutores promissores acabam esmagados pela universidade, quando são contratados cedo demais, e vão parar no limbo acadêmico.

Não tenha pressa de arrumar um emprego estável na Academia. Primeiro, tente se desenvolver o quanto puder. Mesmo que você consiga uma bolsa de 1 ou 2 anos, pense que a maioria das pessoas, no mundo real, não tem essa estabilidade toda no emprego, podendo sofrer demissão a qualquer momento. Esse privilégio fica ainda mais claro durante grandes crises, como a pandemia de covid-19.

Epílogo: o terrível vórtice do postdoc eterno

Por fim, deixo um alerta. É comum jovens doutores que “passaram raspando” na defesa de doutorado, que são craques em fazer péssimas escolhas na carreira, ou que têm sérios problemas de autoestima caírem no que eu chamo de “o terrível vórtice do postdoc eterno”.

“Mas que diabos seria esse vórtice, Marco?”

Simples: passar anos como “capataz” de algum professor com perfil de patrão de fábrica. Ou então passar anos pulando de bolsa em bolsa, sem nunca conseguir passar de fase na carreira. É muito cruel para uma pessoa que já passou dos 30, ainda mais se ela já tiver constituído família, perceber que não vai dar para continuar na carreira, mesmo após décadas de investimento.

Pior mesmo são alguns postdocs que, ao invés de tentarem aprender habilidades novas e produzir como nunca, ficam eternamente se preparando para concursos. E, geralmente, se preparando mal. 

Sabe aquele colega seu, que já é postdoc há muitos anos, nunca passa em concursos, ainda não publicou um artigo verdadeiramente ground-breaking, mas gasta várias horas por dia cuidando do laboratório, dos alunos e das aulas no lugar do professor? Aquele mesmo, que muitos anos atrás parecia um jovem talento promissor, mas do qual agora ninguém ouve mais falar?

Pois é, não seja esse cara.

* Publicado originalmente em 2010 e atualizado constantemente.

(Fonte da imagem destacada)

Sugestões de leitura

  1. So, What Is a Postdoc?
  2. A postdoc job is good for your career, but don’t get stuck in an academic cul-de-sac
  3. The value of moving (disciplines and countries) for a postdoc

46 respostas para “O que é um pós-doutorado?”

  1. Marco,

    em primeiro lugar, parabéns e obrigado pelo texto!

    Em relação ao seguinte período: ´´Uma parte desses postdocs eternos dá ainda mais azar e acaba sendo explorada por professores picaretas que os transformam em secretários de luxo, prisioneiros da comodidade“, recomendo a leitura do texto: http://www.diretodaciencia.com/2018/11/23/pesquisadores-exploram-pos-doutorandos-estrangeiros-nos-eua-afirma-estudo/ .

    Acredito que tanto postocs ´´eternos“ como ´´talentos“ podem cair no erro (=azar) de participarem de um postodc desse tipo.

    Att.

    Felipe

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    1. Oi Lipe, de nada! Sim, esse realmente é um perigo enorme que vários postdocs correm. Meu conselho é: estabeleçam um plano de carreira, com objetivos claros, e não confiem apenas em seguir a maré. Assim fica mais fácil diferenciar oportunidade de roubada. Quanto à matéria, sim, nos EUA a situação é ainda pior. Postdocs e professores adjuntos são explorados cruelmente. (Lá adjunto tem outro significado, é quem não tem estabilidade no emprego).

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  2. Oi Marco! Parabéns pelo artigo, está me ajudando a esclarecer algumas dúvidas. Queria lhe pedir na verdade um conselho, terminei em abril de 2018 meu doutorado e tentei alguns pos-docs mas sem sucesso. Sou veterinária e fiz meu doutorado com um estagio de dois meses na Argentina, trabalhei com micotoxinas em peixes. No entanto ano passado tentei um edital de pos doc na Argentina e passei (com inicio em abril/2019), porém eu também passei numa seleção de residência em medicina veterinária. Apesar de gostar do grupo da Argentina, eu tenho vontade de fazer a residência pq eu tenho pouca experiência prática na medicina veterinária, e na Argentina eles são microbiológos e o plano de trabalho aprovado não tem muito a ver com a área de Veterinária. Estou em dúvidas se escolho o pós doc ou a residência.
    Desculpe o textão!

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    1. Oi Aline, obrigado, que bom que curtiu. Não tem problema o textão, pode escrever o quanto quiser, rs. Na minha área não existe residência, então não sei te dizer com propriedade quais seriam as vantagens e desvantagens na escolha entre residência ou postdoc. Pelo pouco que sei, o ponto principal nessa escolha seria o tipo de carreira que você pretende seguir: mercado ou academia. Você pensa em se tornar acadêmica? Postdoc é mais recomendando para quem deseja seguir uma carreira acadêmica.

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  3. Marco,

    Muito bom e esclarecedor artigo.
    Obrigado por compartilhar na rede.
    Fiquei com uma dúvida: quem concluiu o doutorado há mais de 10 anos não pode ingressar em pos-doc?

    Obrigado
    Feliz 2019

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    1. De nada, Anderson! Quanto à sua pergunta, isso depende do financiador. Na Capes e no CNPq o nome dessas estadias sempre é postdoc, independente da sua “idade acadêmica”. Em outras agências, o nome é sabático, estágio senior ou outros. O ponto é que, independente do nome, existem vários tipos de intercâmbio no exterior para quem já é doutor.

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  4. Gostei muito do artigo. Foi muito útil para mim. Sou aluna de doutarado ainda, e vim buscar mais informações sobre o assunto, pois estou assustada com o que tenho visto. Tenho visto alguns doutores brasileiros chegando para fazer o postdoc na minha universidade em Portugal com ideias completamente equivocadas. Possuem bolsas gordas do Cnpq mas nem sequer sabem o que é um postdoc. Chegam achando que por serem doutores, vão lhes dar uma posição de professor catedrático ou vão sentar-lhes num trono. Frustram-se facilmente e voltam para o Brasil com o “rabinho” entre as pernas, infelizmente.

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      1. Marco, muito obrigada pelas informações. Acabo de defender meu doutorado em Língua Portuguesa e, como recebi um convite de um membro da banca para um aprofundamento de minha pesquisa, gostaria de fazer um post doc. Você sabe se é possível receber bolsa da Capes e ter vínculo empregatício? Não consigo chegar a essa informação.
        Obrigada.
        Luciana

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        1. Boa pergunta, Luciana! No caso das bolsas de mestrado e doutorado, há essa possibilidade, sob determinadas condições. Mas nunca vi alguém fazer postdoc e ter um emprego paralelo ao mesmo tempo. O que é comum na América do Norte e Europa é o postdoc em si ser um emprego, com contrato e tudo mais.

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  5. Marco, bom dia. Trabalho em uma empresa de trânsito e concluí a pouco meu doutorado. Gostaria de fazer meu pós-doc relacionado ao meu trabalho, sou coordenadora da pesquisa de comportamento urbano da empresa. Ou seja, o pós-doc teria que estar relacionado tanto à trânsito quanto ao desenvolvimento da metodologia de pesquisa. Você julga que seja possível conseguir realizar em pós-doc na minha própria aliada a alguma instituição de ensino que focalize a pesquisa em trânsito? qual a melhor maneira de se conseguir essa díade? Obrigada.

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    1. Oi Lilian! Não sei como funcionam as coisas na sua área. Seria melhor você procurar alguma professora especializada no tema e descobrir o caminho das pedras junto com ela. Boa sorte!

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  6. Oi, Marco! Adorei o seu post! O que vc pode me esclarecer sobre os-doutorado empresarial (PDI)? Quase não há nada no site do CNPq e achei poucos links na internet… : ((
    Obrigada e gde abço!

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    1. Oi Rodrigo, nunca ouvi falar em postdoc sem bolsa. Bom, seria o equivalente a trabalhar como voluntário em um laboratório, sem receber pagamento por isso, mesmo tendo título de doutor. Não me parece uma boa decisão. Sem bolsa, você fatalmente terá que arrumar outra fonte de renda, aí não poderá focar adequadamente nas suas atividades como postdoc. Se o laboratório que você tem em vista não tiver uma bolsa de postdoc prontamente disponível, considere a possibilidade de pedir uma bolsa avulsa, tipo do CNPq, Fapesp etc.

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  7. Vale a pena dar uma olhada no edital da Fapesp de pós-doc também. Tive a impressão ao ler o edital que para eles o pós-doc serve mais para a instituição (na qual o pós-doc é feito) do que para o bolsista. Ou seja, o foco não é na formação do pesquisador, mas na formação do pessoal de um dado laboratório ou grupo.

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    1. Pois é, Vinícius, o objetivo e as características variam mesmo entre agências. Em muitos lugares, do ponto de vista da instituição, o postdoc é apenas um cientista de baixo custo… Aumenta-se a quantidade de bolsas, mas os cargos de cientista com carteira assinada são cada vez mais raros.

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